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 O que dita a Constituição, as manifestações no festival de música e a ação do TSE

Por Rogerio Schlegel

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, determina o nono inciso do quinto artigo de nossa Constituição Federal. Neste final de semana, um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que, apesar desse dispositivo de clareza cristalina, é possível censurar previamente o que artistas do festival Lollapalooza poderiam dizer e fazer no palco. Tudo indica que, dessa vez, foi o ministro Raul Araújo que foi longe demais e não a cantora Pabllo Vittar.

Já explico a ironia:

O caso já correu a internet. Pabllo Vittar, assim como Marina Sena e outros cantores, manifestaram-se contra o presidente Jair Bolsonaro na última sexta-feira (25/03), no festival. Vittar pegou um cartaz de um espectador com o rosto do ex-presidente Lula e o exibiu para o público. O partido de Bolsonaro foi ao TSE contra o Lollapalooza, alegando propaganda eleitoral antecipada, e o ministro Araújo deu liminar fixando multa de R$ 50 mil por novas manifestações semelhantes. Antes até que ocorressem, portanto.

O próprio ministro Edson Fachin, atual presidente do TSE, disse que levará imediatamente a decisão liminar de Araújo ao plenário do tribunal. E lembrou: “a Corte tem se manifestado sempre pela liberdade de expressão”.

Pabllo Vittar, cantora maranhense que luta contra – e vence – preconceitos em várias frentes, tem aparecido nas redes sociais desde 2017 associada à expressão “foi longe demais”. Aprendo no Museu de Memes, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que a expressão ganhou sentido ambíguo: refere-se à reação conservadora diante da artista, mas também às suas conquistas diante dos tabus e limites preestabelecidos.

Não fazia nem uma semana que Raul Araújo havia negado pedido do Partido dos Trabalhadores (PT) sobre outdoors contra Lula e ligados a interesses de Bolsonaro, igualmente reclamando de suposta propaganda antecipada. Nesse caso, não haveria censura prévia, porque os outdoors já estavam em exibição e o que estava em julgamento era o próprio conteúdo difamatório das mensagens. Tudo somado, há muitos sinais de que no caso do Lollapalooza o ministro é que parece ter ido longe demais.

 Rogerio Schlegel é cientista político, professor da Unifesp e pesquisador associado ao SoU_Ciência