Tema foi destaque em entrevista da primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da Academia Brasileira de Ciências para a Elsevier
Primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da Academia Brasileira de Ciências desde a fundação da entidade, há 106 anos, a biomédica Helena Nader tem se mostrado uma defensora contumaz da paridade de gênero na ciência. No mês internacional das mulheres, a Elsevier Research Solutions Brasil entrevistou essa que é uma das mais respeitadas pesquisadoras brasileiras.
Helena Nader foi reconhecida com diversas honrarias como o Prêmio Almirante Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia 2020, oferecido pela Capes, Fundação Conrado Wessel (FCW) e CNPq; o grau de Comendador e a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2008), do governo brasileiro; e o Prêmio Scopus – Elsevier/Capes (2007), entre muitos outros.
Além de ser membro titular da ABC, ela é membra da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), e da Academia Mundial de Ciências (TWAS). Graduou-se em Ciências Biomédicas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); em Biologia pela Universidade de São Paulo (USP); fez doutorado em Ciências Biológicas pela Unifesp; e estágio de pós-doutoramento na mesma área pela Universidade do Sul da Califórnia, Estados Unidos. Suas pesquisas abrangem glicoquímica e glicobiologia, com ênfase na estrutura e função biológica dos proteoglicanos heparina e heparam sulfato.
Helena é professora titular da Unifesp e já exerceu várias funções administrativas, entre elas a vice-presidência da ABC entre 2020 e 2022, a presidência de honra (desde 2017) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e a presidência e a vice-presidência da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq).
Confira e entrevista:
A Academia Brasileira de Ciências existe desde 1916. Já teve 18 presidentes e a senhora é a primeira mulher a ocupar o cargo. Mais de um século para a ABC começar a ter pluralidade no âmbito da presidência. Quais ações estão em prática em seu mandato para aumentar a representatividade feminina na ciência? A propósito, há mais diretoras nessa gestão?
Helena Nader - Houve um aumento de membras eleitas nos últimos dez anos e, hoje, temos várias diretoras na gestão. A ABC está à frente de muitas academias de ciências mais antigas e tradicionais, como a alemã, a francesa… A Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, por exemplo, tem 200 anos e só teve uma mulher presidente até agora, Marcia Mc Nutt, eleita em 2016 e ainda no cargo.
O que aconteceu na ABC foi que percebemos a necessidade de uma busca ativa de mulheres altamente qualificadas para concorrer aos cargos. Esse trabalho foi retomado e, hoje, conseguimos alcançar o “meio a meio” entre homens e mulheres na nossa Academia. Uma das mulheres que chegou à ABC por meio da busca ativa, por exemplo, foi a nossa atual ministra da Saúde, Nísia Trindade. No entanto, se estamos melhorando em paridade de gênero, estamos muito aquém na questão de raça.
A busca ativa da Academia também precisa ser racial, obedecendo aos mesmos critérios de impacto da produção científica do profissional. Numa academia de ciências, que é um grupo restrito, não podemos trabalhar com cotas, isso é importante que se diga. O processo de aprovação de membros se dá pela qualificação, pelo mérito.
A Academia tem membros em todo o país. Visto que temos realidades bem distintas em cada região brasileira, a questão da paridade de gênero na ciência também apresenta demandas diferentes?
Helena Nader - As condições da Região Norte são diferentes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste; assim, deveria haver programas de fixação dos pesquisadores nesses locais, mas não há. Não cabe à ABC promover isso, mas podemos mostrar que é algo importante, e isso nós fazemos.
Com relação à população, a distribuição da ciência no país está bem equilibrada. A população do Estado de São Paulo é maior, a maior produção científica está em São Paulo e é de onde vêm mais membros para a ABC, seguido do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e assim por diante.
Em 2022, tivemos uma nova entrada que felizmente vai na contramão dessa realidade: uma mulher, e do Norte, entrou para Academia, a ecóloga e cientista paraense Ima Célia Vieira, doutora, pesquisadora e ex-diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi. É claro que o que a gente sonha, como Academia, é com a equidade na ciência em todo o país.
Recentemente, a senhora teve um artigo publicado pelo jornal O Globo em que dizia que “pesquisadoras publicam mais trabalhos, mas ainda são minoria em cargos de liderança”; que apenas 35% das bolsas de produtividade (topo da carreira) são atribuídas às mulheres; e que, na pandemia, houve declínio no número de pesquisas desenvolvidas por elas. Enquanto mulher e presidente da ABC, como analisa esses dados e como enfrentar essa disparidade?
Helena Nader - Em algumas áreas, as mulheres já estão conquistando as bolsas de produtividade do tipo 1, mas se seguirmos nessa velocidade levaremos muitos anos para chegar à paridade nos cargos mais altos da carreira acadêmica. Sou a favor de revisões que levem em consideração o tamanho das áreas de conhecimento, o número total de pesquisadores homens e mulheres, e um cálculo matemático mesmo, inicialmente sem o mérito dos currículos, para avaliarmos discrepâncias de gênero.
Se temos tantas mulheres altamente capazes, por um acaso não teriam que ter bolsa de produtividade do tipo 1? Mas isso tem que ser um processo acordado, que tem que ser discutido com toda a comunidade, não pode ser imposto. Há modelos que estão quase cristalizados, temos que mostrar a necessidade de revisitar a busca ativa. Podemos começar com o equilíbrio de gênero nos comitês que julgam a concessão das bolsas. Isso é algo que pode ser feito e já é um começo.
No Brasil, é uma piada a proporção de mulheres na política, se compararmos a outros países, de mulheres CEOs em companhias... É tão real que quando você alerta sobre isso, alguém diz “Ah, mas a Graça Fortes foi presidente da Petrobas…”. Quando você nomeia um, é sinal de que não tem mais gente, concorda? Para mim, é claro que não vamos conseguir atingir até 2030 o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 , de alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
Essa é uma mudança de longo prazo e tem que começar dentro de casa e nas escolas, desde a creche. Eu realmente acredito nisso: sem a educação para a igualdade de gênero, nunca teremos igualdade de gênero. O Brasil é um país machista e isso se deve também às mulheres, que educam mal os meninos. Se o menino quer brincar de comidinha e de boneca, ele pode; tem que cuidar da casa assim como a sua mãe, sua irmã. Se dentro de casa ele vê a mãe como uma escrava, ele vai escravizar também. Os pais também precisam ficar atentos às escolas, essa coisa de menina usa rosa, menino usa azul é uma perpetuação da desigualdade de gênero. E não existe profissão de homem e profissão da mulher.
Sobre o que aconteceu na pandemia, mundialmente, com o aumento da produção científica dos homens e diminuição da produção das mulheres, é claro que é porque elas ficavam em casa cuidando dos filhos. É meio atávico, que a mulher é do cuidar. Onde está escrito isso?
Aproveitando a questão da maternidade, essa escolha ainda carrega um peso que dificulta a junção mãe e pesquisadora, mãe e carreira, apesar de até mesmo pesquisas científicas evidenciarem que não há prejuízo à criação dos filhos pelo fato de as mães trabalharem. Como essa questão parental é abordada pela ABC junto de sua comunidade de associados?
Helena Nader - A culpabilização das mulheres que são mães e seguem com suas carreiras é muito forte e impactante. Eu também senti isso na pele. Sempre trabalhei e tenho muito orgulho de quem a minha filha se tornou e da mãe que ela é. Mas, de novo, é a criação que conta.
Quanto à abordagem dessa questão no mundo acadêmico, o que a comunidade científica conseguiu, em 2021, foi a inclusão da data de nascimento e de adoção de filhos no Currículo Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Num concurso público, por exemplo, agora é possível identificar o que motivou a parada repentina de uma candidata que estava produzindo muito, e que depois voltou. Uma banca inteligente perguntaria o porquê, mas não podemos depender disso.
Quem avalia projetos ou candidatos para um concurso vai ter uma informação objetiva agora, no Lattes, e isso mostra que não se pode comparar diferentes pela mesma régua, porque o homem não teve intervalo para cuidar da criança, e a mulher, sim. Isso está sendo usado por todos? Não. Não podemos tapar o sol com a peneira, mas várias instituições já adotaram.
Eu dou muitos pareceres para a comunidade europeia, e, nos últimos anos, todos os projetos que recebi vieram de mulheres coordenadoras que registram a gravidez de forma muito clara nos currículos. O mundo está preocupado com isso. E porque queremos a inclusão? Porque sem ela não há diversidade. É fundamental ter diferentes olhares para uma mesma questão. A diversidade não destrói, ela constrói.