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Na Semana da Consciência Negra 2024 da Unifesp, pesquisadores do SoU_Ciência e estudantes refletiram sobre a comunidade negra na academia, unindo dados científicos a histórias de vida

Tamires Tavares

No dia 21 de novembro, durante a programação da Semana da Consciência Negra 2024 da Universidade Federal de São Paulo, foi realizada a mesa-redonda Mover a pós-graduação: ações afirmativas e seus desdobramentos, que fomentou a discussão sobre a inclusão racial, focando especificamente na pós-graduação. O evento foi conduzido pela Prof.ª Isabel Melero Bello, docente do Departamento de Educação da Unifesp, e também contou com a participação de pesquisadores do Centro SoU_Ciência, além de estudantes de pós-graduação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp), que compartilharam as suas experiências.

O Prof. André Dias, docente do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e pós-doutorando no Projeto Abdias do Nascimento e no SoU_Ciência, abordou o perfil dos estudantes de pós-graduação, bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), apresentando dados obtidos em pesquisa no SoU_Ciência e destacando que, entre 2017 e 2018, houve um aumento no número de estudantes negros matriculados na pós-graduação, tanto em universidades estaduais quanto federais. No entanto, ele alertou para a falta de dados completos, já que mais de 50% dos registros não informam cor ou a raça dos estudantes, dificultando uma análise precisa do impacto das políticas de inclusão. 

Já o Prof. Roniberto Morato do Amaral, docente e pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pós-doutorando no Projeto Abdias do Nascimento e no SoU_Ciência, apresentou sua pesquisa sobre a produção científica de pesquisadores negros, utilizando indicadores bibliométricos de ciência e tecnologia para análise. Ele destacou a multiplicidade de desafios para obter esses dados e defendeu a criação de bases que evidenciem as contribuições de estudantes negros ao conhecimento acadêmico. 

Segundo o pesquisador, reconhecer e legitimar essa produção científica é essencial para fortalecer políticas públicas e ampliar a inclusão na academia. “A elaboração de indicadores bibliométricos, fundamentados em expressões de busca cuidadosamente planejadas para garantir precisão e abrangência, pode contribuir significativamente para o reconhecimento da população negra como um ator ativo na construção do conhecimento científico e tecnológico brasileiro. Além disso, ao ensinar nossos alunos a interpretar esse ambiente, promovemos o desenvolvimento de uma inteligência acadêmica”, afirmou. O docente ministrou, ainda na programação da Semana da Consciência Negra, a oficina Relações Raciais na Pós-graduação: o que cai na sua rede, sobre o levantamento de dados bibliométricos das produções acadêmicas e a análise em decorrência às ações afirmativas.

Daniel Pereira, mestrando em Educação na Unifesp, pesquisador do Grupo de Pesquisa Laroyê e professor da rede pública de ensino há mais de 24 anos, compartilhou sua experiência pessoal, relatando as dificuldades enfrentadas para ingressar na pós-graduação e as barreiras para sua permanência na academia, que são semelhantes entre as pessoas negras que acessam a universidade. Ele criticou, também, a ausência de referências afro-centradas nos currículos acadêmicos e defendeu uma revisão das práticas pedagógicas nas universidades. “Até que ponto a academia está realmente preparada para acolher estudantes negros sem perpetuar práticas racistas, como a desconsideração de pensadores e pesquisadores negros espalhados pelo Brasil? Será que nossas vozes, nossos anseios e nossa cultura acadêmica são levados em conta na construção dos currículos?”, indaga o pesquisador.

Michael Dias, doutorando em Educação na Unifesp, defendeu a implementação dessas ações como uma forma de reparação histórica. Ele destacou que as cotas não são uma forma de caridade, mas uma resposta a um país que historicamente marginalizou a população negra, e alertou para o preconceito ainda enfrentado por estudantes negros dentro da academia, incluindo episódios de violência institucional. 

O pesquisador encerrou a sua fala recitando o poema “Os feijões” da escritora Carolina Maria de Jesus, cuja obra é objeto central de sua tese em andamento, afirmando que, já na década de 1950 e 1960, a autora abordava as desigualdades impostas pelo dispositivo de raça, levando a uma reflexão profunda sobre as diferenças entre um corpo negro e um corpo não negro, e os impactos que essas distinções têm em nossas vidas e experiências. “As ações afirmativas respondem aos questionamentos levantados por Carolina Maria de Jesus. Elas já não nos impedem de acessar a universidade nem de ocupar espaços de poder. Por isso, é fundamental defendê-las e destacá-las em nossos trabalhos, afirmando com orgulho: sim, somos cotistas, e isso representa uma política de reparação histórica”, concluiu.

Encerrando a mesa, Jenniffer Cornélio, mestranda em Educação na Unifesp, ressaltou a importância das redes de apoio entre estudantes e professores negros para a permanência na academia. A mestranda destacou que sua permanência na pós-graduação só foi possível graças ao suporte de outras pessoas que garantiram que ela não enfrentaria esses desafios sozinha. Jenniffer também enfatizou a necessidade urgente de políticas públicas que tornem as universidades um espaço verdadeiramente acolhedor para mulheres negras.

O evento reforçou que, apesar dos avanços nas políticas de ações afirmativas, ainda existem muitos desafios a serem superados para garantir a equidade racial na pós-graduação e, de forma geral, no ensino superior brasileiro. Os participantes concordaram que é essencial continuar a luta por um ambiente acadêmico mais inclusivo e diverso, o que inclui garantir políticas de permanência para que estudantes negros possam concluir seus cursos e ampliar sua participação na produção de conhecimento científico.