Evento com a participação do SoU_Ciência reuniu especialistas para discutir riscos da exploração de combustíveis fósseis, ponto de não retorno da floresta e impactos à saúde pública
Tamires Tavares
No dia 30 de abril, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) promoveu a sessão especial “Sobrevivência do Planeta: Amazônia, Combustíveis Fósseis e o Ponto de Não Retorno”, como parte das atividades do Núcleo de Estudos Avançados da instituição. Transmitido ao vivo pelo YouTube, o evento reuniu especialistas em clima, saúde, ciência política, ecologia e comunicação para debater os caminhos possíveis diante da crise ambiental global.
Participantes abordaram os riscos do colapso ambiental, os impactos das mudanças climáticas na saúde, a exploração de combustíveis fósseis, a invisibilidade política e midiática da crise e os caminhos possíveis a partir da ciência, da comunicação e da ação coletiva. / Reprodução IOC/Fiocruz
Com dados alarmantes e uma visão de longo prazo, o climatologista Carlos Nobre apresentou sinais evidentes de que caminhamos para o colapso ambiental. “Estamos cada vez mais próximos do colapso climático global”, afirmou. Segundo ele, o planeta já experimentou meses com mais de 1,5 °C de aquecimento, o que compromete seriamente as metas do Acordo de Paris. A urgência, segundo Nobre, exige uma transição radical para uma nova bioeconomia baseada na floresta em pé. “A ciência é o nosso porto seguro”, ressaltou ao defender uma atuação coordenada e ambiciosa na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), marcada para novembro deste ano, em Belém (PA).
A importância de integrar ciência, política pública e ação social foi enfatizada pela Prof.ª Soraya Smaili, coordenadora geral do SoU_Ciência. Ao comentar sua atuação em grupo de trabalho sobre emergências sanitárias, defendeu a criação de estruturas permanentes para antecipar catástrofes. “É preciso antecipar os riscos, não apenas reagir quando a tragédia já está posta”, declarou. Para ela, o enfrentamento da crise climática exige articulação entre universidades, governos e movimentos sociais.
Em sua fala, a professora destacou que os impactos das mudanças climáticas na saúde já são evidentes e preocupantes. “Está mais do que claro que, diante de uma emergência climática, enfrentamos também uma emergência sanitária”, afirmou. Segundo ela, os eventos extremos geram efeitos agudos, como desastres naturais, e também consequências crônicas, como o agravamento de doenças cardiovasculares, transtornos hormonais e problemas de saúde mental – com estudos que já apontam o aumento de casos de depressão e suicídio associados às ondas de calor. Ela também alertou para o surgimento de novos patógenos, favorecido pela destruição ambiental e pelo aquecimento global.
Como estratégias de resposta, Soraya defendeu a criação de uma rede de centros de saúde global nas universidades – modelo já adotado pela Unifesp, com atuação em vacinas, zoonoses, urbanismo e ciências sociais – e a proposta de um Centro de Controle de Doenças, a ser vinculado ao Ministério da Saúde, com funções preventivas semelhantes às de uma agência reguladora. “Temos propostas em andamento, mas o tempo é curto”, afirmou, reforçando o alerta de Carlos Nobre sobre a proximidade do ponto de não retorno climático.
Renato Cordeiro, coordenador do Núcleo de Estudos Avançados do IOC e mediador do encontro, declarou que há uma contradição explícita entre o discurso internacional e a prática nacional. “A destruição da Amazônia, a ameaça à vida indígena e a exploração de combustíveis fósseis estão ocorrendo diante dos nossos olhos. Precisamos de um posicionamento claro da academia”, destacou. Cordeiro também apontou a invisibilidade midiática da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente (5ª CNMA) como sintoma da falta de prioridade política ao tema.
A comunicação como aliada estratégica da ciência foi o foco da contribuição do jornalista Herton Escobar, do Jornal da USP. Em sua análise, a linguagem científica deve ser acessível e compreensível, mesmo diante da dureza dos fatos. “A ciência precisa sair dos relatórios e ocupar um espaço público de forma permanente”, disse, defendendo que, embora o discurso catastrofista gere desconforto, é necessário para sensibilizar a opinião pública e pressionar os tomadores de decisão.
Com uma perspectiva voltada à saúde coletiva, a médica infectologista do Hospital Albert Einstein Luana Araújo chamou a atenção para o desafio de tornar a crise climática compreensível para quem enfrenta problemas urgentes no dia a dia. “É preciso entender que quem está lutando contra a fome e a violência não vai ouvir um alerta climático se isso não fizer sentido na sua realidade”, afirmou. Ela também denunciou a disparidade na alocação de recursos públicos: “Temos recursos, mas investimos mais em armas do que em vida”.
As consequências da devastação ambiental nos territórios indígenas foram abordadas com contundência por Paulo Cesar Basta, médico e pesquisador da Fiocruz. Com base em sua atuação em campo, ele expressou indignação diante da lentidão das respostas políticas: “Quantas pessoas ainda vão precisar perder suas vidas? Quantos óbitos a gente vai ter que registrar até que os tomadores de decisão ajam?”. Além de denunciar o garimpo ilegal e a contaminação por mercúrio, reforçou a necessidade de colocar os povos originários no centro das soluções.
Da sala de aula para o debate público, Mercedes Bustamante trouxe a experiência de dialogar com jovens que já nasceram sob os efeitos da crise climática. Professora da Universidade de Brasília (UnB) e cientista reconhecida internacionalmente, ela alertou para o risco da naturalização do colapso. “Muitos jovens acham que esse é o normal. Precisamos mostrar que é possível transformar”, afirmou. Ela também comemorou a inclusão do tema “direitos da natureza” no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos como um avanço simbólico e concreto.
Representando a juventude amazônica, Pollyana Bernardes encerrou o evento com uma fala carregada de urgência e esperança. Ativista da Rede Amazônidas pelo Clima e moradora de Belém (PA), ela denunciou a má distribuição dos recursos públicos destinados ao meio ambiente. “Somente 0,16% do que foi arrecadado em 2024 com petróleo foi destinado ao meio ambiente. Isso precisa ser dito em alto e bom som”, alertou. Pollyana defendeu que a COP 30 seja um espaço de protagonismo para os povos da floresta, com foco na sociobioeconomia e na valorização dos saberes tradicionais.
A sessão reforçou o papel das instituições científicas como pontes entre conhecimento, ação política e mobilização social. Diante da emergência climática, o evento reafirma a necessidade de respostas coordenadas e corajosas. Assista o evento na íntegra no canal IOC/Fiocruz.