Anúncio foi uma medida política e pode confundir a população; pandemia é assunto de saúde pública e decisões devem ser tomadas com base em evidências
Em pronunciamento oficial realizado em rede nacional neste domingo, 17, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), imposta em fevereiro de 2020 em razão da pandemia de covid-19. Na avaliação de Soraya Smaili, professora de Farmacologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e uma das coordenadoras do Centro SoU_Ciência, “o anúncio foi uma medida política, o que não é adequado, pois o assunto da pandemia é de saúde pública e as decisões devem ser tomadas com base em evidências. Além disso, essa decisão confunde a população e deixa um ar de que a pandemia acabou. Esse sentimento de despreocupação com o vírus pode levar a uma diminuição dos alertas a novas variantes, bem como a redução da adesão à vacinação”.
É importante salientar que a decisão vai em direção contrária aos alertas feitos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) exatamente nesta semana, pois cerca de metade da população mundial ainda não está vacinada. Isto representa um perigo, já que se trata de um vírus ainda pouco previsível no que diz respeito às mutações e que pode infectar diferentes animais, que por sua vez podem estar silenciosamente produzindo novas variantes, ampliando os riscos de uma nova disseminação do vírus.
Adicionalmente, o fim da Espin dificulta uma ação de emergência no caso de novo aumento do número de casos, já que impossibilitará a celeridade na compra de materiais hospitalares como bens públicos, e a aplicação emergencial na aprovação e compra de novas vacinas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou novos fármacos para o tratamento da covid-19. Isso se aplica inclusive às vacinas já utilizadas, como a CoronaVac, que ainda depende do aval de emergência para ser aplicada no país.
“Apesar de citar que não é o fim da pandemia e que o governo segue vigilante, a mensagem pode dar uma falsa sensação de que no Brasil a população já está protegida e que a crise sanitária está superada, o que ainda infelizmente não é realidade, pois muitos estados ainda carecem de avanços na vacinação e na aplicação das doses de reforço, que são as que mais protegem contra a variante ômicron”, diz Soraya. Ela lembra, inclusive, que dentro do país existe uma disparidade na evolução da vacinação. “Enquanto alguns estados se aproximam e até ultrapassam a marca de 90% de sua população imunizada, há estados, como Roraima e Amapá, que possuem apenas 50% de sua população com vacinação completa. O cenário mostra que, ao invés de reduzir e terminar com o estado de emergência, o governo deveria reforçar a campanha e logística para que o Brasil diminuísse essa disparidade e ampliasse a proteção diante de um vírus que ainda está ativo e circulante entre nós. Esperar que o vírus coopere e facilite as coisas, não vai acabar com a pandemia. Precisamos de ações concretas”, conclui Soraya.