Os corpos e as moldagens necessárias em tempo de pandemia
Muito se tem falado sobre o corpo e a subjetividade produzidos pela pandemia, num contexto de confinamento, em que as telas dos computadores e dos televisores sobrepujam mudanças nas faces, na percepção, no tônus muscular, na postura, no pensamento e nas emoções.
O que vale a pena lembrar é que, dentro de um apartamento, em regime de teletrabalho, ou dentro de uma apertada habitação de uma favela, estamos a ter o corpo produzido por nossas relações, enredados e formatados pelo lugar que ocupamos no mundo, pelas desigualdades e disparidades nas relações de poder.
Nesse sentido, nosso corpo, aquele corpo dócil formatado pelas engrenagens das ferramentas modernas da produção, é atravessado pelas estratégias que visam aumentar a produtividade e colocar combustível na roda de valorização das mercadorias.
Se tem algo que podemos constatar é que, no ambiente virtual de trabalho, a fronteira entre o tempo doméstico do cotidiano e o tempo do trabalho se esvaiu, apagou-se, e somos meio que engolidos pela mercantilização da alma e do corpo. As dimensões do trabalho, do lazer, da vida doméstica, do alimentar-se, do ir ao banheiro, do dormir, antes separadas, são açambarcadas pela totalidade do trabalho. Trabalhamos em todo o lugar das nossas casas, e nossos movimentos são cada vez mais delineados pelo movimento do trabalho.
Com a onipresença do trabalho em nossa vida doméstica, nós que podemos trabalhar em casa, estamos enfim próximos de sentir um tipo de abafamento e estrangulamento que lembra, de longe, o daquelas famílias que vivem em casas de um único cômodo. A diferença é que estamos presos à uma única dimensão, a do trabalho, que invadiu todos os cômodos da nossa casa, tornando-os um só.
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[Fernando Sfair Kinker é professor da Unifesp e pesquisador do SOU_CIÊNCIA]