images/imagens/1200x700.png

Live do SoU_Ciência trouxe dados e análises sobre os impactos positivos das políticas afirmativas e as mudanças que ainda precisam acontecer para uma universidade mais plural

O Centro SoU_Ciência realizou uma live na quinta-feira, 2 de dezembro, para debater o histórico, os resultados e as perspectivas da Lei de Cotas, sancionada em 2012. Com dados acumulados ao longo dos anos e reflexões dos participantes, a atividade lançou luz sobre a importância das políticas afirmativas e da reparação histórica.

A Profª Dra. Soraya Smaili, coordenadora do centro, começou lembrando a proximidade do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. “Nós decidimos propositalmente realizar a atividade depois de novembro, já no início de dezembro, porque nós entendemos que todos os dias são dias da consciência negra. E nós temos também que fazer esta atividade porque nós entendemos que é uma reparação histórica necessária”, declarou.

O primeiro participante a falar foi Emir Sader, professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Ele lembrou que, em 2022, o Congresso vai votar por renovar ou não a Lei de Cotas, e que existem grandes riscos de retrocesso: “Temos que fazer uma grande mobilização não só para consolidar os avanços, mas também para avançar ainda mais.”

Na sequência, a contribuição foi da Profª Dra. Maria Angélica Pedra Minhoto, pesquisadora coordenadora do SoU_Ciência e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela citou que 90% da ciência produzida no Brasil vem das universidades públicas, e reforçou a necessidade de ter instituições de ensino superior fortes e plurais para atuar em favor do interesse comum e em defesa da vida.

Nesse sentido, as cotas são uma peça-chave. “Graças a essa expansão de vagas e políticas de ação afirmativa, estamos formando uma nova geração de líderes científicos e intelectuais que não são apenas das classes dominantes”, afirmou a pesquisadora. Os dados revelam de forma inequívoca os resultados positivos do sistema de cotas, mas também mostram que a ação deve continuar.

“Apesar de ampliar a presença de estudantes de escolas públicas, de famílias de baixa renda, negras, negros, indígenas e pessoas com deficiência, o Brasil permanece exibindo altos índices de exclusão no ensino superior e dificuldades de promover a permanência estudantil dos estudantes nos cursos”, ressaltou.

A atividade também contou com a participação de bolsistas de Iniciação Científica do SoU_Ciência. Victória Lopes da Silva contribuiu com um relato sobre a revisão bibliográfica realizada para os estudos sobre as cotas. “Vimos durante nossos debates uma tendência de utilização dos dados do ENADE [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes] de forma muito bruta, sem tratamento”, apontou.

Ao longo dessa análise, os envolvidos notaram um uso tendencioso dos dados: “Uma tendência de alguns pesquisadores foi apontar centésimos na mudança de desempenho entre cotistas e não cotistas para justificar que as cotas não funcionam ou estão prejudicando as universidades.” Por outro lado, nem toda a bibliografia tem esse viés. “Ainda existem pesquisadores que mostram que há um caminho para a pluralidade de ideias, a democratização e a diversidade das universidades, e que inclusive isso permitiu um melhor desempenho das universidades ao longo do tempo”, lembra Victória.

Também bolsista do SoU_Ciência, Rafael do Nascimento de Andrade apresentou dados numerosos e muito ilustrativos das mudanças socioeconômicas ocorridas entre os universitários desde a instituição da Lei de Cotas.

Ele também refletiu como universidades plurais se beneficiam da circulação mais abrangente de ideias. “Os conhecimentos que provêm das pessoas negras, das pessoas pobres e das pessoas de baixa escolaridade, por mais que alguns digam que não servem para nada ou não devem ser usados, são muito importantes para a composição da universidade, principalmente porque, quando temos uma universidade diversa, conseguimos entender as dores dos outros e também quais as mudanças que precisamos para o mundo”, afirmou.

Reforçando esse argumento, o cientista social Alexandre Conegundes Jr., formado pela UFG (Universidade Federal de Goiás), acrescentou: “Quanto mais diversidade a universidade federal tem, mais rica é a sua produção de conhecimento científico, seja no âmbito da inovação metodológica, teórica ou epistemológica. E negar esse tipo de acesso a populações negras e indígenas é matar esse tipo de conhecimento.”

Falando sobre a duradoura luta do movimento negro pelas cotas, a professora Joana Célia dos Passos, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), destacou: “A universidade pública nunca foi tão diversa e tão plural, e as ações afirmativas, que são uma demanda do movimento negro desde os anos 50 do século 20, possibilitam, não só para a população negra, mas para estudantes brancos pobres, travestis, transexuais, indígenas e quilombolas a possibilidade de se ver nesse lugar. Eu destaco isso porque essa experiência que democratiza o ensino superior brasileiro não democratiza só para os negros.”

“Uma outra questão é pensar que o projeto que o movimento negro tem para a sociedade brasileira está longe de poder ser considerado ‘identitário’. Ele é um projeto político de nação, porque ele confronta a História, principalmente o presente e o futuro de uma geração que está sendo dizimada pela força do Estado todos os dias”, acrescentou a professora.

Já a reitora da UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia), Joana Guimarães da Luz, destacou o papel das cotas de criar uma ponte entre a ciência e setores marginalizados da população. “Por que as pessoas que vivem nas periferias com esgoto escorrendo a céu aberto, com acúmulo de lixo e sem políticas públicas iriam defender a ciência e a universidade? A universidade é um bem público e precisa ser defendido com unhas e dentes, mas precisamos fazer com que essas pessoas se sintam representadas. E a política de cotas traz essa perspectiva, porque traz para dentro da universidade essas pessoas que vivem em espaços abandonados pela política pública”, elucidou.

Para finalizar a atividade, a profª. Soraya apresentou e agradeceu a poeta e rapper Matriarcak, destacando a importância da manifestação artística: “A cultura, a arte, a ciência e o conhecimento estão todos entrelaçados. Não existe saber e não existe conhecimento se não existir também a arte.”

A artista recitou versos que refletem sobre a rotina da periferia em meio à pandemia e todos os outros problemas enfrentados desde sempre, principalmente no atual governo, combinando trechos do Hino Nacional, menções ao músico Criolo, rimas e ritmo numa apresentação contundente.

A íntegra da live pode ser assistida no canal do SoU_Ciência no Youtube: bit.ly/LiveSoUCiência-Cotas