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Maria Angélica Minhoto (SoU_Ciência/Unifesp) destacou a importância de políticas inclusivas e da conexão entre a universidade e o mercado de trabalho

Tamires Tavares

O Instituto de Estudos Avançados e Convergentes (IEAC/Unifesp) promoveu, em 13 de novembro, no auditório Carlos Bello da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp), um seminário dedicado a discutir os desafios de permanência e os fatores que contribuem para a evasão na universidade pública brasileira. Intitulado Permanência e evasão na universidade pública no Brasil de hoje: desafios e expectativas, o evento contou com transmissão ao vivo pelo YouTube, reunindo o público em formato híbrido. 

A mesa de debates foi composta pela Prof.ª Maria Angélica Minhoto, coordenadora do SoU_Ciência e docente de Educação na EFLCH, pelo Prof. Daniel Vasquez, do Departamento de Ciências Sociais, pela Prof.ª Elaine Lourenço, do Departamento de História, e por Fabrício Leonardi, diretor do Departamento de Comunicação Institucional. A mediação ficou a cargo da Prof.ª Márcia Jacomini, também do Departamento de Educação da Unifesp.

Na abertura, o Prof. Daniel Vasquez destacou um dado alarmante: a ociosidade de vagas na Unifesp aumentou significativamente, de 46 em 2017 para 479 em 2024, situação exacerbada pela pandemia. Ele pontuou que, embora a universidade tenha avançado na democratização do acesso, os desafios que surgem para os estudantes não se resumem apenas à entrada no Ensino Superior. “Precisamos refletir sobre as barreiras que surgem antes mesmo de o aluno pisar na universidade. São fatores complexos, além da questão do vestibular”, afirmou Vasquez, enfatizando a necessidade de compreender esses obstáculos para propor soluções eficazes.

Já Fabrício Leonardi aprofundou a discussão com uma análise dos principais motivos que levam à evasão, a partir de dados coletados entre 2007 e 2022. Entre as causas mais frequentes, com base em relatos de ex-estudantes, ele destacou a distância física até o campus, a insatisfação com o curso escolhido, dificuldades financeiras e problemas de saúde mental. Leonardi enfatizou a importância das políticas de assistência estudantil, como bolsas e auxílios, mas alertou que a burocracia e a demora no acesso a esses recursos são barreiras significativas.

A Prof.ª Maria Angélica Minhoto apresentou um levantamento abrangente sobre os desafios de inserção no mercado de trabalho enfrentados pelos egressos universitários e como a perspectiva de carreira afeta a inserção e a permanência dos jovens nas universidades. “A crise do trabalho é um fenômeno central para compreender os problemas que vivemos hoje”, afirmou.

Segundo ela, o contexto laboral mudou drasticamente e afeta as expectativas dos jovens em relação ao Ensino Superior. Para ilustrar o cenário, Maria Angélica expôs dados que demonstram o descompasso entre a oferta de vagas no Ensino Superior e a demanda real. O Brasil disponibiliza anualmente 25 milhões de vagas para cursos de graduação, enquanto apenas 2,5 milhões de alunos concluem o Ensino Médio. A palestrante ressaltou que, embora o acesso às universidades públicas ainda seja um desafio, no setor privado há um excesso de vagas não preenchidas.

A questão da evasão foi abordada de forma detalhada. Com base no relatório de 2019-2022, a professora apresentou fatores que influenciam a decisão dos alunos de abandonar seus cursos. Em Guarulhos, por exemplo, a insatisfação com as perspectivas do mercado de trabalho foi apontada por 21% dos estudantes como um motivo que “influenciou muito” sua decisão de sair, e 11,2% afirmaram que o fator “influenciou razoavelmente”. Outros aspectos destacados incluíram as dificuldades financeiras, a necessidade de trabalhar durante os estudos e a distância da universidade.

Maria Angélica também comparou as taxas de evasão em diferentes cursos, destacando que carreiras altamente valorizadas socialmente, como Medicina, apresentam índices de desistência muito baixos. “Precisamos entender que a percepção social das carreiras tem um papel crucial. Em Medicina, por exemplo, a taxa de evasão é baixíssima, mesmo diante das dificuldades que os estudantes enfrentam”, explicou.

Maria Angélica Minhoto, Fabrício Leonardi, Márcia Jacomini, Daniel Vasquez e Elaine Lourenço compuseram a mesa de debates. / Transmissão IEAC/Unifesp

Ao longo da palestra, a professora detalhou a situação dos egressos da Unifesp, com foco no campus de Guarulhos, onde, entre 2010 e 2022, 3.331 estudantes se formaram. Utilizando dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), ela revelou que, dentre os formados em Ciências Sociais (bacharelado) em 2018, 34% recebiam mais de R$ 4.000,00 no mercado formal de trabalho em 2019, e observou que, embora o percentual seja significativo, outros cursos, como Letras, têm rendimentos consideravelmente menores: apenas uma pequena fração dos egressos de Letras ganha acima de R$ 4.000,00.

A professora destacou também a importância do contexto regional na empregabilidade. “Nossa localização na Grande São Paulo oferece um mercado de trabalho mais robusto, o que contribui para a alta taxa de inserção dos nossos egressos, mas isso não significa que os desafios não existam”, afirmou. A taxa de inserção laboral de egressos do bacharelado em Ciências Sociais chega a 80% até três anos após a formatura, ao passo que, na licenciatura o índice se aproxima de 100%. Em Filosofia, a taxa média de inserção é de 60%, tanto no bacharelado quanto na licenciatura, e em História e História da Arte esses índices são superiores a 80%.

Comparando a Unifesp com outras universidades federais, os números são impressionantes. “Nas Ciências Sociais, a taxa média de inserção no mercado de trabalho das federais é de 25%, mas na Unifesp é de quase 80%”, informou a palestrante. Para Filosofia, a taxa nacional é de 26%, e na Unifesp ultrapassa 60%. Em História, a média nacional é de 24%, e a Unifesp supera esse número de maneira expressiva. Esses dados refletem o impacto das oportunidades disponíveis em São Paulo, embora a palestrante tenha alertado que muitos egressos ainda ocupam posições abaixo de sua qualificação, como agentes administrativos e operadores de telemarketing.

Minhoto também apresentou informações sobre a renda média dos egressos, destacando que, em Filosofia, o maior salário médio registrado foi de R$ 4.553,00, o que coloca a área no topo entre os cursos da Unifesp. No entanto, mesmo com esses salários, muitos graduados enfrentam dificuldades para encontrar empregos condizentes com sua formação. “O mercado ainda absorve muitos formados em posições que exigem apenas o Ensino Médio, e isso é preocupante”, enfatizou.

O suporte financeiro foi outro tema fundamental da palestra. Maria Angélica detalhou a concessão de 169 bolsas permanência e 243 bolsas de pesquisa, que ajudam a garantir a continuidade acadêmica. Ela explicou que, sem esse auxílio, muitos estudantes teriam que abandonar seus estudos. As bolsas foram distribuídas entre os cursos de Letras, História, Ciências Sociais, Filosofia, História da Arte, Educação e Educação e Saúde.

Em relação à pós-graduação, a professora apresentou números animadores: 316 egressos da Unifesp continuaram seus estudos na própria universidade, com a maioria optando pelo mestrado acadêmico. No caso das Ciências Sociais, 31 dos 36 formados seguiram na área, e a Filosofia manteve 35 de seus 38 egressos no mesmo campo de estudo. Entretanto, Maria Angélica chamou a atenção para a distribuição racial, destacando que a maioria dos alunos da pós-graduação ainda é composta por brancos, apesar das políticas de inclusão.

Ao encerrar sua apresentação, a docente agradeceu o apoio institucional e reforçou a importância de políticas educacionais integradas com ações do mercado de trabalho. “Não basta abrir vagas no Ensino Superior. Precisamos de uma política nacional robusta que garanta a empregabilidade dos nossos jovens”, concluiu, deixando um apelo para que as universidades continuem lutando pela inclusão e pela permanência de seus estudantes.

Ao final do encontro, Elaine Lourenço complementou o debate com uma reflexão sobre a necessidade de tornar a universidade um espaço mais inclusivo e acolhedor. Ela ressaltou a importância de práticas pedagógicas antirracistas que considerem a diversidade dos estudantes, afirmando que uma abordagem mais sensível às múltiplas identidades dos alunos é crucial para promover um ambiente de permanência. “A universidade ainda carrega heranças de elitismo e práticas excludentes. Precisamos pensar em currículos e metodologias que valorizem as diferentes histórias e trajetórias dos nossos estudantes”, destacou, defendendo que as práticas pedagógicas sejam mais abertas e conectadas com a realidade da sociedade brasileira.

O evento encerrou com um apelo coletivo para a mobilização de toda a comunidade acadêmica na busca por soluções duradouras, incentivando a construção de uma universidade verdadeiramente inclusiva e capaz de enfrentar os desafios da evasão, com o esforço conjunto de todos os setores envolvidos, desde os gestores até os próprios estudantes.