Semana da Consciência Negra 2024 discute a relevância e os desafios das cotas na graduação, com contribuições de pesquisadoras do Centro SoU_Ciência
Tamires Tavares
Durante a Semana da Consciência Negra 2024 na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), uma mesa-redonda virtual abordou os impactos, avanços e desafios das cotas raciais no ensino superior. Realizado em 19 de novembro, o evento virtual reuniu pesquisadoras, estudantes e especialistas no tema. Intitulado Mover a graduação: ações afirmativas e seus desdobramentos, contou com a participação de integrantes do Centro SoU_Ciência, do Programa Abdias Nascimento e do Grupo de Pesquisa Laroyê – Culturas Infantis e Pedagogias Descolonizadoras e teve mediação de Jenniffer Cornélio, mestranda em Educação na Unifesp.
A Prof.ª Ellen de Lima Souza, Pró-reitora Adjunta de Assuntos Estudantis e Políticas Afirmativas (PRAEPA) da Unifesp, docente de Educação na mesma instituição e pesquisadora do SoU_Ciência, contribuiu para a discussão destacando os impactos positivos das ações afirmativas, como a aprovação de 30% de cotas nas residências médicas da Unifesp, destinadas a pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência. A pesquisadora mencionou, porém, os retrocessos recentes, fazendo uma crítica ao Conselho Federal de Medicina que caracteriza as cotas como “racismo reverso”, o que demonstra a resistência de setores conservadores às políticas de inclusão.
A docente destacou ainda a relevância da união entre instituições e pesquisadores para enriquecer esse debate. “Um ditado da perspectiva sul-africana compara a ciência a um tronco de Baobá, ressaltando que é impossível abraçá-la sozinha. Essa metáfora ilustra a importância da colaboração e do trabalho coletivo. Quando integramos modalidades diferentes em prol de um objetivo comum — construir a universidade em que acreditamos —, buscamos uma instituição verdadeiramente de excelência. E, para nós, a excelência está diretamente vinculada à diversidade; não é possível alcançá-la sem promover e refletir a pluralidade”, comentou.
A Dr.ª Mariana Teixeira, pós-doutoranda no Programa Abdias Nascimento, trouxe à tona o conceito de racismo ambiental, um tema emergente nas discussões acadêmicas. Em sua apresentação, ela explicou como as ações afirmativas possibilitaram que jovens negros se dedicassem a estudar o impacto das desigualdades ambientais em seus territórios. Mariana ressaltou a importância de as universidades abrirem espaço para novas epistemologias, que desafiam as hierarquias acadêmicas tradicionais. Ela também mencionou o curso de extensão de Combate ao Racismo Ambiental, oferecido pela Unifesp em parceria com o Instituto de Referência Negra Peregum e o Grupo de Pesquisa Laroyê, que capacitou ativistas de diferentes biomas para integrar suas vivências e militância à pesquisa acadêmica.
A coordenadora do SoU_Ciência e docente do Departamento de Educação da Unifesp, Maria Angélica Minhoto, apresentou uma análise dos resultados das cotas nas universidades federais, com foco em ocupação de vagas e desempenho estudantil, especialmente após a primeira Lei de Cotas, de 2012, com base em dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e do Censo da Educação Superior. Ela destacou que, apesar de o desempenho acadêmico dos cotistas ser semelhante ao dos não cotistas, com os cotistas se destacando em áreas como Enfermagem, a maior dificuldade continua sendo a permanência estudantil. A docente alertou para a redução de recursos para assistência estudantil desde 2017, o que tem dificultado a permanência de estudantes negros e de baixa renda nas universidades.
Em seguida, a Prof.ª Maria Nilza da Silva, gerente de projetos na Secretaria de Educação Superior no Ministério da Educação, docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisadora do SoU_Ciência, abordou a situação das políticas afirmativas nas universidades estaduais brasileiras. Apesar de terem sido as primeiras instituições brasileiras a implementarem as cotas raciais, a pesquisadora afirmou que muitas dessas universidades não coletam ou disponibilizam dados sobre cor ou raça de seus estudantes, dificultando a avaliação e a formulação de políticas públicas adequadas. A partir das informações de sua pesquisa no SoU_Ciência e no Projeto Abdias do Nascimento, a docente analisou a situação de algumas dessas universidades e apontou os desafios que ainda enfrentam.
Completando a mesa, a Dr.ª Thaís Cavalcante, também pesquisadora do SoU_Ciência, apresentou o painel Cotas nas Instituições Públicas de Educação Superior, expondo dados sobre o impacto das ações afirmativas. Cavalcante destacou o aumento significativo na presença de estudantes negros e de baixa renda nas universidades públicas após a implementação da Lei de Cotas, em 2012. Ela ressaltou que as universidades estaduais ainda necessitam de maior regulamentação e fiscalização, citando que apenas 17 das 39 universidades estaduais analisadas disponibilizaram dados atualizados sobre a cor e a raça de seus estudantes, o que compromete o monitoramento e o avanço das políticas afirmativas, conforme apontado pela Prof.ª Maria Nilza.
Ao encerrar o evento, a mediadora Jenniffer Cornélio destacou a riqueza do tema abordado, ressaltando sua capacidade de ampliar discussões e impulsionar pesquisas. "Vocês não apenas apresentaram dados, mas também promoveram uma reflexão crítica sobre questões importantes, como as identidades que são anuladas e aquelas que são excluídas do espaço universitário." A mestranda também incentivou o público a compartilhar os diálogos e expandir as discussões. "Esta semana tem sido um momento crucial para refletir sobre acesso e oportunidades. Se cada pessoa que acompanhou compartilhar essas reflexões, poderemos alcançar novas resoluções e fomentar outras pesquisas a partir disso", concluiu.