Soraya Smaili participou de discussão sobre o impacto do clima na saúde e a importância de políticas públicas integradas para mitigar os danos
Tamires Tavares
Especialistas, autoridades e representantes de organizações sociais se reuniram no Salão Nobre da Escola Paulista de Medicina, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no último dia 8, para discutir um dos temas mais urgentes da atualidade: as consequências da crise climática na saúde pública e as possíveis soluções para mitigar esses efeitos. O painel, intitulado Mudanças Climáticas e Saúde: Impactos e Soluções, foi uma proposta conjunta do Ciência na Saúde, criado pela Prof.ª Soraya Smaili, coordenadora-geral do SoU_Ciência, e do Grupo Mulheres do Brasil, reunindo um público diversificado, com transmissão online.
Na composição da mesa estava a Prof.ª Soraya Smaili, que iniciou, durante sua gestão como reitora da Unifesp, o Centro de Saúde Global, e posteriormente atuou para a criação do Ciência na Saúde e do Cepid ARIES, iniciativas cujos temas estão vinculados a questões de meio ambiente e saúde humana; Ana Estela Haddad, Secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde; Paulo Saldiva e Paulo Artaxo, professores e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP); e Luísa Helena Trajano, presidente do Grupo Mulheres do Brasil.
Compuseram a mesa (da esquerda para a direita) Paulo Saldiva, Ana Estela Haddad, Luiza Helena Trajano, Soraya Smaili, Paulo Artaxo e Ana Lucia Azevedo. / Imagem: Transmissão EPM
A abertura foi marcada por um discurso de Ana Lucia Azevedo, jornalista do O Globo e mediadora do debate, que ressaltou a gravidade da crise climática. “O planeta está com febre, e os seres humanos são os principais afetados”, disse, mencionando eventos climáticos extremos, como as ondas de calor e seca que têm afetado o Brasil e outras regiões do mundo. Azevedo destacou ainda a importância de discutir soluções práticas, afirmando que, como jornalista, seu papel é também mobilizar a sociedade e disseminar informações que inspirem a ação.
Em sua participação, o Prof. Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, apresentou um panorama das consequências climáticas que já estão sendo observadas e as perspectivas para o futuro. Segundo ele, as emissões de gases de efeito estufa continuam a subir, mesmo após a pandemia e o Acordo de Paris, o que coloca a humanidade diante de um cenário preocupante. “No pior cenário, com as emissões atuais, poderíamos ter um aumento médio de 4,3 °C. Mesmo que todos os países cumpram suas obrigações plenamente, o aumento ainda será de 2,8 °C”, explicou, ilustrando as graves consequências que isso trará, como secas mais intensas, chuvas extremas e um impacto profundo na saúde pública.
Saldiva destacou que a cidade de São Paulo, por exemplo, já sente os efeitos dessas mudanças. Dados do Mirante de Santana mostram que a precipitação tem aumentado de forma preocupante desde os anos 1980, e o número de dias com chuvas intensas subiu drasticamente, trazendo prejuízos em diversos setores. “A sobrecarga no Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo do impacto dessas mudanças: um aumento de 5 °C na média de uma cidade leva a uma sobrecarga de até 50% no atendimento hospitalar, especialmente em crianças e idosos”, afirmou, detalhando as diferenças entre regiões dentro da própria cidade, como Itaquera e Parelheiros, que enfrentam desafios distintos.
O físico e climatologista, Prof. Paulo Artaxo, docente da USP e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), trouxe uma perspectiva baseada em evidências científicas sobre a crise climática global e suas repercussões no Brasil. “As transformações no clima estão acontecendo mais rápido do que o esperado. Precisamos de um pacto nacional urgente para mitigar esses efeitos e proteger a saúde das nossas populações mais vulneráveis”, afirmou. Artaxo explicou que, além do aquecimento, o Brasil enfrenta mudanças dramáticas nos regimes de precipitação, o que impacta diretamente a agricultura, a segurança hídrica e as comunidades indígenas da Amazônia.
Ele apresentou dados recentes que mostram a vulnerabilidade do Brasil: “Áreas continentais, como o Brasil, estão se aquecendo mais rapidamente do que os oceanos. O cenário é ainda mais preocupante na Amazônia, onde a combinação de altas temperaturas e mudanças na umidade compromete a saúde ecossistêmica e a sobrevivência das espécies locais”, detalhou. Artaxo também alertou sobre a importância de políticas públicas eficazes e de uma coordenação entre diferentes níveis de governo para enfrentar a crise climática com a devida urgência.
A Prof.ª Soraya Smaili apresentou o conceito de “saúde planetária”, que integra a saúde humana, animal e ambiental. “Sem essa visão integrada, não conseguiremos avançar”, destacou, enfatizando que a degradação ambiental afeta diretamente a saúde da população, seja pelo aumento de doenças infecciosas, seja pelo agravamento de doenças crônicas. Ela sugeriu a criação de uma grande rede de saúde global composta por universidades federais brasileiras, que poderiam atuar juntas na coleta de dados, na prevenção de epidemias e na formulação de políticas públicas.
Smaili também mencionou as ações desenvolvidas pelo Centro de Saúde Global da Unifesp desde a pandemia, como a campanha de descarte seguro de medicamentos, que tem como objetivo conscientizar a população sobre o impacto ambiental dos resíduos farmacêuticos e promover a coleta correta em farmácias e drogarias de todo o Brasil.
Já a presidente do Grupo Mulheres do Brasil, Luiza Helena Trajano, compartilhou as experiências de mobilização durante a pandemia de covid-19, quando o movimento Unidos pela Vacina acelerou a imunização em todo o país. “Mostramos que, com a sociedade civil organizada, é possível fazer acontecer. Agora, precisamos aplicar essa mesma força de vontade para enfrentar a crise climática”, afirmou Trajano, destacando o papel das mulheres em liderar mudanças sociais e políticas. Ela explicou que o objetivo do Grupo Mulheres do Brasil é unir diferentes frentes de trabalho, como saúde e educação, para maximizar o impacto das ações.
Trajano também enfatizou o sucesso da campanha de descarte seguro de medicamentos, uma ação desenvolvida em parceria com o Ciência na Saúde e apoiada por personalidades como Margareth Dalcolmo e Dráuzio Varela. “O descarte inadequado de remédios contamina nossas águas e contribui para a resistência a antimicrobianos, um dos grandes desafios da saúde global”, alertou, mencionando que a campanha já atingiu mais de 16 milhões de pessoas e continua crescendo.
Também presente no evento, a Secretária de Informação e Saúde Digital, Ana Estela Haddad, trouxe a perspectiva governamental, destacando as ações do Ministério da Saúde para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. “As mudanças climáticas aumentam a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, como inundações e ondas de calor, que ameaçam a saúde pública. Precisamos de políticas que coloquem a equidade no centro, promovendo justiça climática”, afirmou, mencionando a criação da Autoridade Climática e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Plano Clima).
Haddad também falou sobre as inovações estruturais no Ministério da Saúde, como a priorização do clima na Secretaria de Vigilância em Saúde e o fortalecimento da produção local de vacinas para garantir a autonomia do país em crises futuras. “Estamos integrando saúde e sustentabilidade, e o Brasil tem um papel de liderança a desempenhar, tanto nacional quanto internacionalmente”, concluiu, mencionando a participação brasileira no G20 Saúde e o reconhecimento recebido pelas iniciativas climáticas do país.
O evento encerrou com um apelo coletivo para o engajamento de todas as gerações, com destaque para o papel da juventude na promoção de mudanças culturais. Jovens ativistas têm se mobilizado para plantar árvores, adotar práticas sustentáveis e conscientizar novas gerações, e a mensagem final foi clara: enfrentar a crise climática requer ação coordenada, rápida e eficaz, envolvendo todos os setores da sociedade.