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Pesquisa apresentada no Encontro Anual da ANPOCS revela o impacto do negacionismo e das narrativas difamatórias na imagem pública das instituições de ensino superior

Tamires Tavares

Um estudo do Centro SoU_Ciência sobre o impacto da guerra cultural promovida por movimentos de extrema direita nas universidades públicas brasileiras foi apresentada no Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), em participação do GT31 — Confrontando saberes: negacionismos, anti-intelectualismos e autoritarismos. Realizado de 23 a 25 de outubro na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o evento é um dos mais relevantes do país, promovendo debates sobre questões atuais da sociedade brasileira.

As pesquisadoras Dr.ª Vanessa Sígolo e Dr.ª Jade Percassi compartilharam os resultados do artigo Universidades públicas na mira bolsonarista: doutrinação, balbúrdia e cotas na guerra cultural da extrema direita, publicado no primeiro semestre deste ano na Revista Eco-Pós, periódico do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fruto de extensa investigação, o paper contou com a colaboração dos pesquisadores Prof. Dr. Pedro Arantes, Prof. Dr. Maurício Moura, Prof.ª Dr.ª Débora Foguel, Prof.ª Dr.ª Soraya Smaili e Prof. Dr. Arthur Chioro, também membros do SoU_Ciência.

A análise integra uma investigação profunda do SoU_Ciência em sua linha de pesquisa Percepção da Relação entre Sociedade, Universidades Públicas e Ciência Brasileira, que visa entender como a pandemia de covid-19 destacou a importância das universidades e da ciência, analisando a opinião de diferentes grupos sociais de diversas estratificações (sociodemográficas, políticas, identitárias, regionais etc.).

As principais questões abordadas na linha incluem como a pandemia alterou a visão da sociedade sobre a ciência e as universidades, como diferentes segmentos sociais veem o papel dessas instituições na transformação social ou na manutenção do status quo e quais são as redes que propagam negacionismo e desinformação, além das que defendem a ciência. Essa linha de pesquisa também busca ampliar o diálogo com a sociedade, respondendo às suas dúvidas sobre a relação entre ciência e vida cotidiana.

 

Vanessa Sígolo destaca os Encontros da ANPOCS como um espaço de debate, troca e articulação entre pesquisadores de universidades, instituições de pesquisa, organizações e movimentos sociais./ Crédito: Divulgação SoU_Ciência

 

Para o artigo, os pesquisadores partiram da hipótese de que a falta de conhecimento sobre o que ocorre nas universidades, lugar da produção de mais de 90% da ciência no Brasil, abre espaço para a propagação de discursos difamatórios. A maioria dos brasileiros, sem contato direto com essas instituições, forma suas percepções a partir de informações divulgadas em redes sociais.

Em seu processo, foram realizadas nove rodadas de levantamentos nacionais de opinião pública, entre 2021 e 2022, envolvendo amostras representativas da população brasileira, com até 1.500 entrevistados por rodada. As análises mostram um dado preocupante: 36,1% dos brasileiros não sabem o que acontece nas universidades públicas, e essa falta de conhecimento atinge 42,2% entre os jovens de 16 a 29 anos. Mesmo entre os entrevistados de maior renda e escolaridade, 23% ainda demonstram um desconhecimento considerável sobre o papel dessas instituições. Esse déficit de compreensão foi explorado por segmentos da extrema direita para deslegitimar o ensino superior público.

O levantamento mostrou que, durante a pandemia, houve um aumento significativo na valorização da ciência. A adesão à vacinação foi ampla, com 94,5% da população afirmando ter se vacinado ou planejando fazê-lo. O apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS) também cresceu, especialmente entre os mais ricos, que passaram a reconhecer o valor do sistema público durante a crise sanitária. Contudo, esse apoio à ciência não levou a um reconhecimento equivalente das universidades públicas, que continuaram a ser alvo de acusações de “doutrinação” e “balbúrdia”.

A análise das redes sociais revelou o uso coordenado dessas palavras por influenciadores digitais e grupos de extrema direita para atacar as universidades. O termo “doutrinação” apareceu em mais de 18 mil postagens, com milhões de interações, sendo um dos principais argumentos para criticar as instituições de ensino. Esse discurso foi amplificado por figuras públicas, incluindo o próprio Jair Bolsonaro, que frequentemente acusava as universidades de promoverem ideologias de esquerda. A retórica do ex-presidente reforçou uma imagem negativa das universidades públicas entre seus apoiadores.

Outro ponto central foi o uso do termo “balbúrdia”, popularizado em 2019 pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que o utilizou para justificar cortes no orçamento das universidades. Em resposta, a comunidade acadêmica reagiu com criatividade, transformando o termo em um símbolo de resistência. A hashtag #MinhaPesquisaMinhaBalburdia viralizou, com pesquisadores divulgando suas produções acadêmicas e reafirmando a importância da ciência feita no Brasil. 

A pesquisa também incluiu sessões de grupos focais, reunindo participantes com diferentes opiniões sobre as universidades públicas. Um grupo era composto por pessoas interessadas na ciência e no ensino acadêmico, e o outro incluía críticos que viam as universidades de maneira negativa. Esses encontros revelaram as bases sociais e as influências que moldam as percepções sobre as universidades, ajudando a compreender melhor as fontes de informação distorcida e os argumentos usados nos ataques difamatórios.

Além disso, a parceria com o Laboratório de Internet e Ciência de Dados (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) permitiu uma análise detalhada da propagação de discursos em plataformas como Facebook, Instagram e Twitter (atual X). A investigação identificou como a polarização política e o negacionismo foram disseminados de forma eficaz, explorando pontos de vulnerabilidade no conhecimento da população sobre o papel das universidades.

 

A linha de pesquisa 5 do SoU_Ciência, com participação de Jade Percassi, aborda a visão da sociedade sobre a ciência e as universidades, além de investigar o papel dessas instituições na transformação social e no combate à desinformação./ Crédito: Divulgação SoU_Ciência

 

As conclusões da pesquisa indicam que a imagem das universidades públicas está associada a uma disputa ideológica, na qual essas instituições se tornam alvos de narrativas que visam deslegitimar o conhecimento científico e a pesquisa acadêmica. As respostas espontâneas dos participantes mostram que as acusações de “doutrinação” e “balbúrdia” refletem uma estratégia para reduzir a confiança pública nas universidades.

Outro ponto identificado é que, apesar do aumento do apoio à ciência e à saúde pública durante a pandemia, as universidades públicas ainda enfrentam dificuldades para reverter a desinformação e percepções negativas. A pesquisa aponta a necessidade de uma estratégia de comunicação científica mais efetiva, dialógica e acessível para aumentar o reconhecimento de suas contribuições pela população.

Por fim, o estudo destaca que a defesa das universidades públicas está ligada à preservação do papel dessas instituições na promoção da democracia e do desenvolvimento social no Brasil. Diante dos desafios políticos e orçamentários enfrentados pelo ensino superior público, a proteção da imagem e da integridade dessas universidades é apresentada como fundamental para um futuro mais inclusivo e informado.

A apresentação no GT31 da ANPOCS despertou "muito interesse e debate com o público, os coordenadores e pesquisadores presentes", conforme relatou a Dr.ª Vanessa Sígolo. Ela destacou que o tema abordado foi um ponto de partida para discutir as demais iniciativas e investigações do SoU_Ciência, permitindo que se explorassem outros trabalhos desenvolvidos no Centro, como a pesquisa A onda pró-ciência em tempos de negacionismo, que analisa o crescimento do apoio popular à ciência, e os painéis Universidades Federais em Defesa da Vida, que aborda a atuação destas instituições na pandemia de covid-19, e Financiamento da Ciência & Tecnologia e das Universidades Federais, que expõe dados que expressam os cortes e o grave desfinanciamento público.

“É crucial enfrentarmos as disputas em defesa da ciência, assim como pela legitimidade e relevância das Ciências Sociais. Defender as instituições públicas de ensino superior, fortalecendo a reinvenção democrática de nossas universidades, e também uma comunicação e divulgação científica efetivamente popular, que paute tudo isso”, enfatizou Sígolo.

 

O GT31 do 48º Encontro da ANPOCS investigou os conflitos sociopolíticos contemporâneos, focando nas disputas em torno dos saberes e nas hostilidades ao conhecimento científico, promovidas por discursos negacionistas, anti-intelectuais e autoritários./ Crédito: Divulgação SoU_Ciência