Professor Nelson Cardoso do Amaral aponta diferenças de financiamento entre o Brasil e países desenvolvidos
Tamires Tavares
A discussão sobre o financiamento da educação brasileira ganha um novo capítulo com a publicação do dossiê temático “Financiamento da Educação, Políticas Educativas e Garantias de Direito”, da revista Educação & Sociedade, do Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O dossiê, lançado em dezembro de 2024, um momento crucial para as políticas educacionais do país, analisa as dificuldades enfrentadas para garantir investimentos suficientes na educação pública e o impacto dessas limitações na implementação de um novo Plano Nacional de Educação (PNE). O documento conta com apresentação e artigo inédito de autoria do Prof. Nelson Cardoso do Amaral, docente da Universidade Federal de Goiás (UFG), presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e pesquisador do Centro SoU_Ciência.
A publicação ocorreu no contexto da recente Conferência Nacional de Educação (Conae), evento que estabeleceu diretrizes para o próximo decênio educacional no Brasil. O governo federal, por meio do Projeto de Lei nº 2.614/2024, apresentou ao Congresso uma proposta que visa dar continuidade ao planejamento estratégico da educação, enfrentando desafios históricos, como a insuficiência de recursos. Os planos anteriores (2001-2010 e 2014-2024) não atingiram suas metas principais, em grande parte devido à falta de financiamento adequado, o que evidencia a persistente disputa orçamentária entre políticas sociais e interesses financeiros.
A publicação temática reúne artigos de diversos especialistas sobre os impactos da austeridade fiscal no setor educacional, a crescente mercantilização da educação básica e superior, e os desafios impostos pelo Novo Arcabouço Fiscal (NAF), que pode comprometer ainda mais a expansão dos investimentos. Além disso, o dossiê contém análise comparativa do financiamento da educação em outros países, oferecendo subsídios para entender os gargalos do Brasil nesse setor.
Um dos artigos de destaque, intitulado “Financiamento educacional no Brasil e em países da OCDE: os desafios brasileiros”, de autoria do Prof. Nelson Amaral, relata um estudo que examina os indicadores educacionais do Brasil e de países selecionados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), buscando identificar os principais entraves para o avanço da educação nacional.
Disparidades no financiamento educacional entre o Brasil e países da OCDE
Em seu estudo, o Prof. Amaral apresenta uma análise detalhada das diferenças entre os sistemas educacionais do Brasil e de países da OCDE, destacando a necessidade de um investimento significativamente maior para aproximar a realidade brasileira dos padrões internacionais. A pesquisa parte da premissa de que os países selecionados da OCDE já atingiram um nível elevado de qualidade educacional, podendo servir como referência para o Brasil.
Os dados demonstram que há uma grande disparidade nos investimentos por estudante. Nos países analisados, os valores aplicados na educação básica chegam a ser até quatro vezes superiores aos do Brasil, dependendo da etapa educacional. No ensino superior, essa diferença é menor, mas ainda relevante. A baixa proporção de investimentos impacta diretamente indicadores como tamanho de turmas, relação aluno-professor, infraestrutura das escolas e remuneração docente.
A pesquisa também aponta que o tempo médio de escolaridade no Brasil é de 8,1 anos, enquanto os países da OCDE selecionados apresentam uma média de 12,9 anos. Essa diferença de 4,8 anos reflete a dificuldade brasileira em expandir a escolarização, especialmente no ensino médio e na educação superior. Além disso, a expectativa de vida no Brasil é de 72,8 anos, consideravelmente inferior à média de 82,3 anos nos países analisados, o que sugere impactos do desenvolvimento social e econômico nas condições educacionais.
A arrecadação tributária per capita no Brasil também está muito abaixo da média da OCDE, segundo revela o artigo. Os países analisados arrecadam em média US$ 17.7 mil por habitante, ao passo que o Brasil arrecada apenas US$ 4.5 mil. Essa diferença contribui para a limitação dos investimentos públicos na educação e afeta diretamente a capacidade do país de melhorar seus indicadores educacionais.
Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024 / Créditos: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Aprofundamento nas condições educacionais e no impacto da desigualdade
Além das diferenças no volume de investimento, a pesquisa detalha as condições estruturais da educação nos países analisados e no Brasil. Entre os fatores comparados, estão os valores aplicados por estudante, em diferentes níveis educacionais. O Brasil destina cerca de US$ 3.2 mil por estudante no ensino fundamental (anos iniciais), enquanto os países da OCDE aplicam, em média, US$ 10.7 mil, representando uma diferença de mais de três vezes. No ensino médio, essa diferença chega a 3,5 vezes, com os países da OCDE investindo em torno de US$ 12.4 mil, contra apenas US$ 3.5 mil no Brasil.
A disparidade nos salários dos professores também é abordada. Nos países da OCDE selecionados, o salário inicial de um docente do ensino fundamental é de cerca de US$ 43.2 mil por ano, e no Brasil esse valor é de apenas US$ 14.3 mil. Isso significa que aos professores brasileiros paga-se, em média, um terço do que recebem seus pares internacionais, o que compromete a atratividade da carreira e a qualidade da educação.
Outro aspecto analisado é o tamanho das turmas e a relação aluno-professor. Nos países da OCDE a média de estudantes por turma no ensino fundamental é de 22 a 23 alunos; no Brasil esse número chega a 29. No ensino médio, a diferença é ainda maior, com turmas brasileiras frequentemente superando os padrões recomendados para uma aprendizagem eficaz. A relação aluno-professor também é desigual: no ensino fundamental, os países da OCDE têm uma média de 16 alunos por professor, e no Brasil essa relação é de 26 para cada docente.
A infraestrutura escolar e a disponibilidade de materiais didáticos são outros pontos enfatizados. O estudo revela que, no Brasil, 10,6% dos diretores de escola relataram que a falta de materiais prejudica bastante as atividades de ensino; contudo, nos países da OCDE essa preocupação foi apontada por apenas 3,3% dos gestores. Além disso, 15,1% dos diretores brasileiros afirmam que a infraestrutura física das escolas compromete severamente o aprendizado, enquanto nos países da OCDE esse índice é de 8%.
A desigualdade educacional brasileira evidenciada pelo Pisa
A análise do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2018 evidencia que a desigualdade educacional no Brasil se manifesta tanto na rede de ensino quanto entre as regiões do país. Estudantes de escolas federais obtiveram uma média de 488 pontos no exame, um desempenho próximo ao de países como França (494 pontos) e Portugal (492 pontos). Já os alunos da rede estadual registraram 391 pontos, e os da rede municipal ficaram ainda mais abaixo, com 325 pontos.
Regionalmente, as diferenças também são significativas. O Sul do Brasil apresentou o melhor desempenho, com 417 pontos, seguido pelo Centro-Oeste (412 pontos) e pelo Sudeste (410 pontos). As regiões Norte e Nordeste ficaram com as piores médias, atingindo 381 e 378 pontos, respectivamente. Esses dados mostram que, além do desafio de aumentar o investimento na educação, o país também precisa enfrentar a desigualdade estrutural entre suas redes de ensino e suas regiões.
Os desafios da educação superior e o desempenho no QS-WUR-Ranking
O autor do artigo também examina o desempenho da educação superior brasileira no QS World University Ranking 2024. Entre as 100 melhores universidades do mundo, 82 pertencem a países da OCDE; do Brasil tem apenas a Universidade de São Paulo (USP) ocupando a 86ª posição. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) aparecem em posições mais distantes.
Fatores como a proporção de estudantes e professores estrangeiros, a reputação acadêmica e o impacto da pesquisa foram critérios da análise. Os países da OCDE têm, em média, 27.419 estudantes por universidade, enquanto as instituições brasileiras mais bem classificadas chegam a ter 46.105 estudantes cada. Isso revela um desafio estrutural na organização do ensino superior no Brasil, que ainda precisa superar barreiras para alcançar um padrão de excelência global.
Essas análises reforçam a necessidade de ampliação dos investimentos em todos os níveis de ensino, buscando reduzir desigualdades e elevar o patamar da educação brasileira a padrões internacionais. Esse e os demais artigos do dossiê “Financiamento da Educação, Políticas Educativas e Garantias de Direito” podem ser acessados na íntegra no volume 45 do periódico Educação & Sociedade.