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Iniciativa do SoU_Ciência reúne registros da crise sanitária em plataforma digital, com curadoria científica e participação pública

Tamires Tavares

A apresentação oficial do Acervo da Pandemia de Covid-19, realizada na tarde de 12 de março, na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), marcou um dos momentos centrais do evento de lançamento da plataforma. Compondo a equipe de pesquisa que atuou na organização do conteúdo, as pesquisadoras Vanessa Sígolo e Letícia Sarturi, pesquisadoras do Centro SoU_Ciência, conduziram uma explicação detalhada sobre a estrutura, a metodologia e os objetivos do projeto.

Vanessa Sígolo destaca o papel da curadoria científica e da colaboração pública na construção do Acervo da Pandemia. (Comunicação SoU_Ciência/Unifesp)

Em sua fala inicial, Vanessa Sígolo destacou que o acervo foi concebido a partir de uma articulação entre pesquisa científica, tecnologia da informação e mobilização social, resultado de um trabalho que mistura saber científico, levantamento empírico, articulação tecnológica e, acima de tudo, compromisso com a sociedade. “Esse trabalho foi feito a muitas mãos, envolvendo pesquisadores, estudantes, professores e colaboradores… Com uma curadoria coletiva”, afirmou. O ponto de partida da iniciativa foi uma linha de pesquisa do SoU_Ciência voltada ao estudo sobre percepção pública da ciência, especialmente durante a pandemia. A partir da entrada de estudantes de medicina no grupo, em 2023, foi possível construir um esforço coletivo que envolveu diferentes frentes de investigação, com ênfase em três eixos: a hesitação vacinal no Brasil, a atuação das organizações médicas negacionistas e a conduta dos conselhos profissionais de saúde durante a pandemia.

Letícia Sarturi explicou que a plataforma digital utiliza o Tainacan, software livre adotado por museus e bibliotecas acadêmicas para catalogação minuciosa de registros e que foi escolhido por ser uma tecnologia aberta, que permite autonomia na curadoria e no acesso ao conteúdo. O acervo está estruturado em 17 temas principais, dentre os quais destacam-se Nível de risco da pandemia, Contágio e imunização de rebanho, Uso de máscara, Isolamento e aglomerações, Tratamento precoce, Memória, verdade, justiça e reparação. Além disso, as evidências são classificadas por 16 tipos de agentes, tais como Presidência da República, Ministério da Saúde, entre outros.

Letícia Sarturi explica a estrutura temática e o uso do software livre Tainacan na organização do acervo digital. (Comunicação SoU_Ciência/Unifesp)

A navegação no acervo é facilitada por um sistema de metadados que inclui data da publicação original, tipo de documento (vídeo, áudio, postagem de rede social, documento oficial), nome dos agentes envolvidos, contexto e link para a fonte original, quando disponível. Todos os materiais passaram por curadoria científica e foram submetidos a um processo de triagem coletiva que envolveu não apenas pesquisadores da Unifesp e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas também parceiros como a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (Cepedisa/USP) e coletivos de mídia independente, como Medo e Delírio em Brasília e Camarote da República, que atuaram na coleta dos materiais.

Um dos diferenciais apontados pelas pesquisadoras é a seção intitulada “O que diz a ciência”, presente nos registros que contêm conduta ou discurso anticiência. Nessa seção, o conteúdo é analisado à luz do conhecimento científico vigente à época, com a apresentação de referências bibliográficas, pareceres técnicos e explicações acessíveis. “Quando identificamos um conteúdo que promove desinformação, trazemos junto o que diz a ciência, de forma direta e fundamentada”, explicou Letícia Sarturi. Segundo ela, essa escolha teve como objetivo não apenas documentar os abusos ocorridos, mas também promover uma forma de educação científica direcionada ao público em geral.

Durante a apresentação, as pesquisadoras exibiram ao público trechos do acervo, incluindo registros de pronunciamentos do então presidente Jair Bolsonaro, entrevistas em programas de televisão, cartas de entidades oficiais e postagens em redes sociais. Algumas dessas evidências foram classificadas como “condutas anticiência” e outras como “denúncias de condutas anticiência”, feitas por terceiros.

Vanessa Sígolo reforça o caráter colaborativo do Acervo da Pandemia e convida o público a contribuir com novos registros. “Qualquer pessoa pode enviar evidências. A curadoria é feita por nossa equipe científica”, explicou. (Comunicação SoU_Ciência/Unifesp)

Outro destaque da apresentação foi o Mapa da Necropolítica, uma representação gráfica e simbólica do sistema articulado de desinformação que operou no Brasil durante a pandemia. O mapa, que representa uma “Terra plana” devastada pelo negacionismo, está disponível em versão impressa e digital, com QR Codes que direcionam para áudios temáticos produzidos em parceria com os coletivos de mídia. Esses áudios reúnem falas originais de autoridades e agentes públicos, organizadas por eixos temáticos, e estão disponíveis gratuitamente no Spotify.

Ao encerrar a apresentação, Vanessa Sígolo reforçou o caráter histórico e ético do projeto. “Que esse trabalho coletivo fortaleça as lutas por justiça, em defesa da democracia e da vida!”, declarou. A sessão foi recebida com atenção e emoção pelo público presente, composto por estudantes, pesquisadores, representantes de movimentos sociais, profissionais da saúde e familiares de vítimas da pandemia. Ao fim da exposição, os organizadores distribuíram cópias do mapa gráfico e convidaram todos os presentes a explorar a plataforma e contribuir com sua expansão.


As pesquisadoras Vanessa Sígolo e Letícia Sarturi durante a apresentação oficial do Acervo da Pandemia, no auditório da Escola Paulista de Medicina da Unifesp. (Comunicação SoU_Ciência/Unifesp)

O Acervo da Pandemia de Covid-19 está disponível gratuitamente para consulta e participação pública.