images/imagens/1200x700.png

Áudios do Superior Tribunal Militar revelam tortura contra presos durante a ditadura. Historiador Carlos Fico conseguiu copiar a totalidade das sessões em 2017 e começou seu trabalho de pesquisa

Nos últimos dias, a imprensa começou a divulgar farto material sobre os áudios do Superior Tribunal Militar (STM) que revelam tortura contra presos durante a ditadura. Estes áudios das audiências na Justiça Miliar, entre 1975 e 1979, foram aprimorados por meio de um trabalho de pesquisa e transcrição do historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e são de enorme importância para o registro de nossa história.

Os áudios foram revelados com exclusividade pelo blog da Miriam Leitão, no jornal O Globo, também uma das vítimas de tortura durante o período ditatorial no Brasil.  Em um dos trechos, o então ministro do STM, Waldemar Torres da Costa, debate o tema durante sessão. "Quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de serem provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente."

Para o professor Edson Teles, coordenador do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp), responsável pelos trabalhos de identificação de pessoas desaparecidas na Vala de Perus, o trabalho realizado pelo historiador Carlos Fico e agora divulgado pela imprensa, mais do que comprova o que já se sabia sobre o uso de tortura na ditadura; comprova outra grande gravidade:  o fato de os ministros de um órgão superior de justiça se calarem e acobertarem os crimes contra a humanidade cometidos pelos militares.

“O trabalho de pesquisa e de divulgação feito pelo historiador Carlos Fico, assim como o realizado no CAAF, são de enorme importância para se compreender e registrar a história como ela realmente aconteceu, sem mudança de narrativas ou de tentativas de arquivamento de um Brasil que não querem que saibamos”, ressalta Teles, completando: “A descoberta e a ampla divulgação desses áudios, torna-se ainda mais relevante ao observarmos que, na mesma tentativa de arquivamento do Brasil, como fez o STM, o presidente Jair Bolsonaro decreta sigilo de 100 anos sobre os atos praticados durante o seu governo”.  

O cientista político, professor da Unifesp e pesquisador associado ao SoU_Ciência, Rogerio Schlegel, pontua que o material do pesquisador Carlos Fico mostra a relevância do conhecimento baseado em evidências. “É estratégia de políticos e setores mal intencionados da sociedade brasileira tentar criar confusão sobre os crimes praticados no passado por agentes do Estado durante a ditadura iniciada em 1964. Não há chance para mal-entendido. Houve tortura, houve homicídio, houve acobertamento criminoso da parte de quem deveria aplicar a lei. Mais uma vez, a universidade vem trazer conhecimento consistente e passível de comprovação para que a sociedade brasileira possa fazer um juízo justo sobre os crimes cometidos. E nesse caso, uma universidade pública e de qualidade, que é a UFRJ do historiador Carlos Fico. Dá orgulho de pertencer a esse sistema universitário que reúne as federais”, declarou.

A pesquisa

No último dia 18, o historiador Carlos Fico explicou à várias mídias de todo o país que o Superior Tribunal Militar passou a gravar as sessões a partir de 1975, mesmo as secretas.

“Até 1985 são 10 mil horas. Em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes pediu acesso. Não conseguiu. Foi ao Supremo (Tribunal Federal), que mandou liberar. O STM não obedeceu. Em 2011, a ministra Carmen Lúcia determinou o acesso irrestrito aos autos. O plenário acompanhou a ministra. Em 2015, as centenas de fitas de rolo foram digitalizadas. Fernandes analisou apenas 54 sessões. Em 2017, consegui copiar a totalidade das sessões. Aprimorei o áudio e passei a ouvir”, contou o pesquisador.

Veja vídeo da entrevista de Carlos Fico à Rádio CBN