A ação de ativistas ateando fogo na estátua em homenagem a Borba Gato desperta um importante debate, com a necessária participação das universidades
A ação de ativistas ateando fogo na estátua em homenagem a Borba Gato em São Paulo despertou um importante debate: ato de barbárie ou de reparação? Qual a narrativa por trás dos monumentos? E é válida a denúncia por meio de incêndio provocado? Não há dúvida de que as cidades de todo mundo estão povoadas de homenagens em ruas, praças, estátuas e monumentos que celebram a história dos vencedores, mais do que dos vencidos, dos opressores, mais do que dos oprimidos. Os monumentos, em geral, cristalizam em si e dão evidência a relações de poder e da capacidade desigual de impor sua narrativa pelos grupos dominantes.
Numa democracia, contudo, essa assimetria de poder simbólico pode e deve ser posta em questão num contexto de reparação e revisão histórica. A heroicização de colonizadores, caçadores de índios e escravos, ditadores e opressores em geral deveria ser progressivamente banida do espaço público na democracia, como tem ocorrido em vários países, com estátuas, nomes de ruas e prédios públicos sendo rebatizados, ressignificados ou retirados. Em São Paulo, este foi o caso do “Minhocão”, que em 2016 passou de Elevado Costa e Silva para João Goulart. Intervenções não autorizadas também provocam o debate, como o ensacamento da cabeça de estátuas durante a ditadura pelo grupo 3nós3 denunciando a tortura; a substituição provisória de placas em ruas e avenidas como a de Herzog no lugar de Roberto Marinho, e de Marielle Franco no lugar de Floriano Peixoto; ou as inúmeras intervenções contestatórias no Monumento às Bandeiras. Na Câmara e na Assembleia de São Paulo tramitam projetos de lei questionando monumentos que celebram opressores.
O que a veemência do ato incendiário despertou foi uma discussão também sobre o método: destruir ou ressignificar? Chamar a atenção é importante, mas a qual custo? O debate, ao menos, está lançado, e pegou fogo. No caso de Borba Gato, o ato deu origem a uma discussão historiográfica positiva. Aqui, entra o papel das universidades: seremos capazes de colaborar na qualificação da discussão, para que as chamas sirvam para iluminar a história e não como prática obscurantista? A fronteira entre civilização e barbárie sempre foi tênue. Fiquemos atentos, pois se trata de um debate necessário, ainda mais nos tempos sombrios que vivemos.
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[Pedro Arantes é professor da Unifesp e pesquisador do SOU_Ciência]