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Em defesa do art. 207 da Constituição Federal e da harmonização do posicionamento do STF sobre a escolha de reitores

Por ex-reitores(as)

A Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, foi elaborada com o objetivo de remover e superar o chamado ‘entulho autoritário’, restabelecendo os fundamentos do Estado de Direito e instituindo direitos sociais capazes de forjar uma nação democrática. Seu artigo 207 estabelece que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, prerrogativa que se expressa por meio do autogoverno e da autonormação, nos marcos da Constituição.

O texto constitucional não deixa margem a dúvidas: o autogoverno não é liberalidade, é exercido nos termos do Estatuto da universidade e este, por sua vez, deve estar em conformidade com a Constituição. A elevação da autonomia a preceito constitucional objetivou superar a intervenção de governos ditatoriais nas universidades.

Por meio do art. 16 da Lei 5.540/1968, a ditadura aprofundou a heteronomia, institucionalizando a lista sêxtupla e, assim, a ingerência governamental na escolha de reitores, concebendo a universidade como uma instituição incapaz de tomar decisões esclarecidas com base em sua própria lei (Estatuto). Não é possível esquecer que a lei 5.540 é coetânea do Ato Institucional no 5 de dezembro de 1968, que ampliou a violência do Estado sobre as universidades, cassando milhares de servidores e, especialmente, docentes.

O fechamento do regime seguiu seu curso autocrático e violento. Em 1977, o Congresso foi fechado e o Decreto-Lei 6.420/1977 ampliou as prerrogativas presidenciais e debilitou, ainda mais, a autonomia universitária, estabelecendo que também os diretores de unidade seriam escolhidos pelo ministro da Educação a partir de uma lista sêxtupla. Foi justamente para colocar um fim em tal violência estatal, que a Constituição elevou a autonomia universitária a preceito constitucional com força pétrea.

Em virtude da “transição democrática” sui generis, já no contexto da redemocratização, a Lei 9.192/1995 manteve a heteronomia, por meio da prerrogativa presidencial de escolha dos dirigentes máximos a partir de uma lista tríplice. Desde então, as universidades têm seguido os termos legais, também presentes na LDB, porém sem concordar com eles.

As instituições universitárias federais, lutaram, desde os primeiros debates sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases, em prol de um ordenamento legal em conformidade com o texto constitucional. É significativo que a lei que criou os Institutos Federais de Educação Tecnológica, a lei 11.892/2008, reconheceu a hierarquia da Constituição e estabeleceu que a escolha da reitora ou do reitor é feita pela própria instituição, sem lista tríplice, cabendo ao presidente da República tão somente nomear o(a) eleito(a) pela comunidade. Inusitadamente, a mesma prerrogativa não foi garantida para as universidades que estão explicitamente protegidas pelo art. 207.

O argumento de que a lista tríplice permite uma correta discricionariedade do presidente da República, não resiste à prova da realidade, conforme é possível verificar nas nomeações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro. Grande parte dos reitores nomeados pelo presidente é desprovida de legitimidade democrática, muitos tiveram menos de 10%, quando não 0%, dos votos dos colegiados superiores e devem sua nomeação à indicação de correligionários do governo. Nada pior do que a conversão das universidades federais, de autarquias públicas autônomas, em estruturas submetidas à pequena política de governos e forças partidárias: a autonomia objetiva, justamente, proteger as universidades de ingerências governamentais ilegítimas.

O STF elaborou peças jurídicas meridianas em defesa do preceito constitucional, da autonomia universitária e da liberdade de cátedra. Em virtude do ambiente de instabilidade democrática que vivem as universidades, além de uma legislação que nos remete ao período da ditadura, entendemos que o STF deve declarar a inconstitucionalidade do art. 1o da lei 9.192/95 e do Decreto federal 1.916/96, e a plena eficácia da Constituição Federal. Ao examinar o mérito da ADI 6565, conclamamos a harmonização do posicionamento do STF com a ADPF 548, Plenário, 15/05/2020.

Torna-se claro que a autonomia universitária é indispensável para a universidade desenvolver a sua missão, acompanhar o desenvolvimento da ciência, das artes e da cultura, das profissões e das demandas da sociedade. Estas são dimensões que têm ritmo e exigências próprias e que não podem ficar subordinados às contingências estritas de mudanças de governos. Portanto, não se trata de uma defesa corporativa e menor, mas sim da possibilidade de as universidades exercerem o seu papel na antecipação e identificação dos desafios e dos rumos para toda a sociedade. Isto ocorreu quando da criação do Sistema Único de Saúde, na genômica, na produção de vacinas, no desenvolvimento de matrizes energéticas e na conservação do meio ambiente, entre outros. Sem o autogoverno, a liberdade de cátedra seguirá sob severas ameaças e nossas universidade também!

Assinam os(as) Reitores(as) :

    1. Ana Lúcia Gazzola – UFMG, 2002-2006
    2. Ana Maria Dantas Soares – UFRRJ, 2012-2016
    3. Anísio Brasileiro de Freitas Dourado – 2011-2015, 2015-2019
    4. Carlos Alexandre Netto - UFRGS, 2008-2012, 2012-2016
    5. Clélio Campolina Diniz – UFMG, 2010-2014
    6. Cleusa Sobral Dias - FURG, 2013-2016, 2017-2020
    7. Eliane Superti – UNIFAP, 2014-2018
    8. Francisco César de Sá Barreto – UFMG, 1998-2002
    9. Gilciano Saraiva Nogueira – UFVJM, 2015-2019
    10. Gustavo Oliveira Pereira – UNILA, 2017-2019
    11. Jaime A. Ramírez – UFMG, 2014-2018
    12. Jose Carlos Tavares – UNIFAP, 2006-2010, 2010-2014
    13. José Geraldo de Souza Jr. – UnB, 2008-2012
    14. Jose Rubens Rebelatto - UFSCar, 1996-2000
    15. Julianeli Tolentino de Lima, UFVSF, 2012-2016, 2016-2020
    16. Malvina Tuttmann – UNIRIO, 2004-2008, 2008-2011
    17. Márcia Perales Mendes Silva - UFAM, 2009-2013, 2013-2017
    18. Margarida Salomão – UFJF, 1998-2002, 2002-2006
    19. Maria Lúcia Cavalli Neder - UFMT 2008-2012, 2012-2016
    20. Maria Beatriz Luce, UNIPAMPA, 2008-2011
    21. Maria Stella Coutinho de Alcântara – UFSCar, 2008
    22. Marco Hansen, UNIPAMPA, 2015-2019
    23. Maurílio Monteiro – UNIFESSPA, 2016-2020
    24. Naomar Monteiro de Almeida Filho – UFBA, 2002-2006, 2006-2010 – UFSB 2013-2017
    25. Nelson Maculan Filho – UFRJ, 1990-1994
    26. Newton Lima – UFSCar, 1992-1996
    27. Paulo Speller – UFMT, 2000-2004, 2004-2008 – UNILAB, 2010-2013
    28. Pedro Hallal – UFPEL, 2017-2021
    29. Odilon Antonio Marcuzzo do Canto – UFSM, 1993-1997
    30. Oswaldo Baptista Duarte Filho – UFSCar, 2000-2008
    31. Paulo Gabriel Soledade Nacif – UFRB, 2006-2015
    32. Reinaldo Centoducatte – UFES, 2011-12, 2012-2016, 2016-2020
    33. Ricardo Berbara – URRJ, 2017-2021
    34. Roberto Leher – UFRJ, 2015-2019
    35. Ronaldo Tadeu Pena, UFMG, 2006-2010
    36. Roberto Salles – UFF, 2006-2010, 2010-2014
    37. Rui Oppermann – UFRGS, 2006-2020
    38. Sebastião Elias Kuri – UFSCar, 1988-1992
    39. Sergio A. Araújo da Gama Cerqueira – UFSJ, 2016-2020
    40. Soraya Smaili – UNIFESP, 2013-2017, 2017-2021
    41. Targino de Araujo Filho – UFSCar, 2006-2012, 2012-2016
    42. Valéria Heloísa Kemp – UFSJ, 2012-2016
    43. Valeria Correa – UFAL, 2016-2020
    44. Vicemário Simões – UFCG, 2017-2021
    45. Wrana Maria Panizzi, UFRGS, 1996-2004

Crédito da foto:  Rafapress