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Crise sanitária e os desafios existentes na cooperação entre países

Por Luiz A C Galvão, Paulo M Buss, Nísia Trindade Lima

O número de artigos e de colaboração internacional durante a pandemia da Covid-19 tiveram um incremento sem precedentes. Cai, Fry e Wagner[i] encontraram que a colaboração internacional aumentou de forma inusitada, sendo que os países mais afetados produziram o maior número de artigos, com equipes menores e com menos países e que os Estados Unidos continuam a ser o maior contribuinte para a produção global de publicações. Maher e Van Noorden[ii] em outro artigo também comentam que essa tendência que já estava identificada no passado se confirmou durante a pandemia, principalmente no primeiro período e apontam para alguns desafios como a superação de problemas de geopolítica e do acesso aberto às informações. Girolamo e Reynders[iii] concluíram que em comparação com a pandemia H1N1, a maioria das publicações iniciais sobre o COVID-19 não trouxeram novas informações e que possivelmente diluíram dados originais publicados sobre esta doença e, consequentemente, retardaram o desenvolvimento de uma base de conhecimento válida e conclamam aos pesquisadores, revisores e editores a tomar medidas para achatar a curva dos artigos secundários.

Nesse contexto e tratando de superar algumas limitações indicadas nas análises previamente enunciadas, foi criada a “Comissão Lancet sobre a COVID-19” que tem como objetivo “promover soluções para melhorar a saúde pública global e apoiar uma recuperação equitativa, transformadora, verde e digital. É uma iniciativa interdisciplinar que abrange as ciências da saúde, negócios, finanças e políticas públicas.”

O trabalho da Comissão se concentra em quatro temas principais:

    Recomendações sobre como suprimir a epidemia.

    Resposta às crises humanitárias decorrentes da pandemia.

    Resposta às crises financeiras e econômicas decorrentes da pandemia.

    Reconstrução de um mundo inclusivo, justo e sustentável. 

Para apoiar o trabalho dos comissionados foram criadas doze Forças-tarefas, em áreas que vão desde o desenvolvimento de vacinas, até estratégias de ajuda humanitária, a locais de trabalho seguros, à recuperação econômica global.

A Comissão e suas Forças-tarefas têm examinado vários aspectos críticos que serão incorporados ao relatório final que deve ser lançado em 2022 com as recomendações políticas de prevenção e contenção de futuros surtos de doenças infecciosas e outras crises sanitárias mundiais. As análises intermediárias têm sido disponibilizadas através de artigos em periódicos especializados, relatórios da comissão e das forças-tarefa. Todas disponíveis no site da comissão, onde também existe um painel de rastreamento da pandemia e seu impacto.

Existe um grande número de contribuições como a que foi publicada com as conclusões de uma das forças-tarefas sobre a necessidade de “salvaguardar pessoas que vivem em condições vulneráveis na era COVID-19 através da cobertura universal de saúde e proteção social[iv]” Depois de uma extensa análise o artigo exorta a todos os governos, tomadores de decisão e partes interessadas a reforçar as políticas de saúde e de proteções sociais e as ações humanitárias para enfrentar a ampliação mundial das desigualdades, aproveitando a janela que se abriu de colaboração multisetorial para implementar a abordagem de saúde em todas as políticas.

A Força-tarefa sobre vacinas e terapêuticas publicou vários artigos, entre eles, na revista PLoS[v] , um que ressalta a importância de alcançar a equidade global para as vacinas COVID-19 através de parcerias internacionais mais fortes e com mais solidariedade.

A Força-tarefa sobre a América Latina e o Caribe publicou no site da comissão um relatório dedicado à análise da coordenação regional para fortalecer a preparação frente a pandemia e o acesso a vacinas[vi]. Outras forças-tarefas também publicaram relatórios sobre a transformação da recuperação em um futuro verde[vii] e outro sobre lições sobre a cooperação global durante a pandemia. [viii]

Os artigos já publicados e ainda por serem publicados no âmbito da comissão oferecem um panorama das contribuições feitas pela ciência nessa crise sanitária mundial e propõe bases sólidas para a formulação de propostas para o futuro. Para que isso se transforme em realidade, como diz o Secretário-Geral da ONU[ix], é necessário que sejam garantidos os investimentos em pesquisa, desenvolvimento humano pleno e infraestrutura com uma abordagem totalmente governamental e multissetorial. Em consonância com esse mesmo relatório da ONU é importante reconhecer que ciência, tecnologia e inovação para a saúde global exigem parcerias globais para apoiar ações nacionais e esforços internacionais que apoiem os ecossistemas nacionais de inovação, plataformas multilaterais e de parceiros para a cooperação, compartilhamento de conhecimento e definição de padrões.

Luiz A C Galvão, pesquisador Sênior da Fiocruz; Paulo M Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz; Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz

 

[i] Cai, X., Fry, C.V. & Wagner, C.S. International collaboration during the COVID-19 crisis: autumn 2020 developments. Scientometrics 126, 3683–3692 (2021). https://doi.org/10.1007/s11192-021-03873-7

[ii] Brendan Maher & Richard Van Noorden. How the COVID pandemic is changing global science collaborations, Nature, Nature, vol. 594(7863), pages 316-319, June. 2021 https://ideas.repec.org/a/nat/nature/v594y2021i7863d10.1038_d41586-021-01570-2.html

[iii] Di Girolamo, N., Meursinge Reynders, R. Characteristics of scientific articles on COVID-19 published during the initial 3 months of the pandemic. Scientometrics 125, 795–812 (2020). https://doi.org/10.1007/s11192-020-03632-0

[iv] Barron GC, Laryea-Adjei G, Vike-Freiberga V, Abubakar I, Dakkak H, Devakumar D, Johnsson A, Karabey S, Labonté R, Legido-Quigley H, Lloyd-Sherlock P, Olufadewa II, Ray HC, Redlener I, Redlener K, Serageldin I, Lima NT, Viana V, Zappone K, Huynh UK, Schlosberg N, Sun H, Karadag O; Lancet Commission on COVID-19: Task Force on Humanitarian Relief, Social Protection and Vulnerable Groups. Safeguarding people living in vulnerable conditions in the COVID-19 era through universal health coverage and social protection. Lancet Public Health. 2021 Dec 10;7(1):e86–92. doi: 10.1016/S2468-2667(21)00235-8. acessado em 11/1/21: https://www.thelancet.com/journals/lanpub/article/PIIS2468-2667(21)00235-8/fulltext

[v] Figueroa JP, Hotez PJ, Batista C, Ben Amor Y, Ergonul O, Gilbert S, Gursel M, Hassanain M, Kang G, Kaslow DC, Kim JH, Lall B, Larson H, Naniche D, Sheahan T, Shoham S, Wilder-Smith A, Sow SO, Strub-Wourgaft N, Yadav P, Bottazzi ME. Achieving global equity for COVID-19 vaccines: Stronger international partnerships and greater advocacy and solidarity are needed. PLoS Med. 2021 Sep 13;18(9):e1003772. doi: 10.1371/journal.pmed.1003772. acessado em 11/1/21: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1003772#pmed-1003772-g001

[vi] Lancet Covid-19 Commission. Regional coordination for strengthening pandemic preparedness, vaccine access, and effective implementation of vaccine deployment plans. acessado em 11/1/22: https://covid19commission.org/s/LAC-Final-Dec-2021.pdf

[vii] Lancet Covid-19 Commission. Transforming Recovery into a Green Future. acessado em 11/1/22: https://static1.squarespace.com/static/5ef3652ab722df11fcb2ba5d/t/60a3cae4eff4662023cfc88a/1621347052333/Green+Recovery+TF+March+Statement.pdf

[viii] Lancet Covid-19 Commission. Global diplomacy and cooperation in pandemic times: Lessons and recommendations from COVID-19. acessado em 11/1/22: https://covid19commission.org/s/GHD-Final-Note-Dec-2021.pdf

[ix] UNCTAD. Report of the Secretary-General: Using science, technology and innovation to close the gap on Sustainable Development Goal 3, good health and well-being. Commission on Science and Technology for Development. Twenty-fourth session. Geneva, 17–21 May 2021. Item 3 (a) of the provisional agenda. Oficial Document. acessado em 11/1/22: https://unctad.org/node/32516