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Basta comparar a atuação de Bolsonaro com outros expoentes do populismo de direita para observar que os populistas não são todos iguais em matéria de políticas públicas voltadas à CT&I

Por Rogerio Schlegel

Que os governantes da onda populista mundial recente sejam inimigos da Ciência e da Tecnologia, não é novidade. Parte da sedução deles reside em explorar o mal-estar também epistemológico de setores relevantes das respectivas sociedades, adotando discurso negacionista, baseado em teorias conspiratórias e amplificado por fake news. No entanto, é útil dar um passo além dessa constatação e verificar concretamente como governam. A comparação de Jair Messias Bolsonaro com outros expoentes do populismo de direita revela que, no detalhe, os populistas não são todos iguais em matéria de políticas públicas voltadas à CT&I. O cotejo demonstra que Bolsonaro se destaca na falta de projeto também nessa frente.

Os investimentos feitos pelo governo federal brasileiro em Ciência e Tecnologia vêm caindo ano a ano desde 2013, em valores corrigidos, como revelou estudo recente de Fernanda de Negri para o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Com Bolsonaro, atingiram em 2020 o menor valor desde 2009. Nos dois primeiros anos de seu governo, esses recursos encolheram 13,3%.

Donald Trump, quando esteve na Presidência dos Estados Unidos, também atuou para reduzir os investimentos federais em CT&I. Os quatro orçamentos de sua administração propunham cortes, depois revertidos pelo Congresso. Ocorre que o populista norte-americano propôs beneficiar com mais recursos duas áreas estratégicas: pesquisa em Inteligência Artificial e Ciência de Informação Quântica. “Juntos [esses campos] são vitais para a competitividade global da nação e a saúde, prosperidade e segurança do povo americano”, justificava sua proposta de orçamento para 2021, segundo a revista Science.

Recep Erdogan, populista há quase duas décadas à frente da Turquia, no início do ano anunciou um ambicioso programa espacial. A ideia é fazer contato com a Lua já em 2023, ano do centenário da república turca, mas o projeto inclui mandar astronautas ao espaço e desenvolver tecnologia de foguetes, satélites e análises meteorológicas. Tudo para levar a Turquia para a “liga principal da corrida espacial”, nas palavras de Erdogan relatadas pelo jornal The Guardian. Um dos desafios do programa é ter recursos de forma consistente, em um país em que o investimento em P&D como proporção do PIB é cerca de um terço do brasileiro.

No caso do governo Bolsonaro, é possível detectar onde houve cortes maiores ou menores, mas não há prioridade visível além da inevitável reação à Covid-19. O Ministério da Ciência e Tecnologia e o da Educação, que concentram as bolsas indispensáveis para a formação de novas gerações de cientistas, foram os mais afetados – queda de recursos de 23,6% e 24,7%, respectivamente, entre 2018 e 2020. A Agricultura, que abriga a Embrapa e turbina a produtividade do agronegócio brasileiro, perdeu 14,2%.

A área privilegiada seria então a Defesa, tão decantada na retórica autoritária dos bolsonaristas? Nessa frente, o privilégio aparece de outra forma. Um terço das estatais sob controle federal são comandadas por militares, que acumulam o soldo regular com os salários e benefícios nas empresas, o que faz sua retirada chegar a R$ 260 mil mensais, como informou a Folha de S. Paulo. Porém, institucionalmente, o investimento em CT&I na Defesa também caiu na gestão Bolsonaro, nada menos que 21,7% em dois anos, conforme os números do Ipea.

O desmonte da Ciência brasileira revela opções políticas comuns à agenda da direita mundial, mas a comparação com outros líderes populistas sugere um desprezo maior do atual governo pelo futuro do nosso país. Qualquer futuro.

Rogerio Schlegel (cientista político e pesquisador associado ao SOU_Ciência)