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Este texto é uma versão adaptada e resumida do discurso proferido pela Ministra da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres e Professora Emérita da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, Eleonora Menicuccii, no dia 16 de abril de 2024, durante o evento organizado pelo Centro SoU_Ciência, com o tema: “Universidades e Institutos na Ditadura”, debate promovido por ocasião dos 60 anos do Golpe Militar. O vídeo da fala integral pode ser acessado clicando aqui. 

 

Em 1964, eu já era militante estudantil. Recém-entrada na universidade, na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no curso de Sociologia. Eu entrei em 1964. Então, realmente, eu costumo dizer que eu entrei no meio das botas e no meio do golpe. 

Eu era militante de um partido clandestino, na época o Partido Comunista Brasileiro (PCB), e fui militando e participando do movimento estudantil na UFMG. Fui presidente da União Estadual de Estudantes (UEE), fui presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE), fui vice-presidente duas vezes da UEE de Minas Gerais e umas da vice-presidentes da União Nacional dos Estudantes (UNE), na época do José Luiz Moreira Guedes. 

A Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais era um polo não só na vanguarda do ensino das humanidades, mas também na área política. O que mobilizou a Universidade, sem dúvida nenhuma, antes de eu entrar, e quando entrei na Universidade já estava em curso, era a luta pela manutenção das reformas de base do João Goulart. A luta política de apoio a João Goulart. E vários professores, evidentemente, foram cassados. 

A partir da segunda quinzena do primeiro semestre de 1964, a Universidade viveu praticamente tomada pela polícia, com nós lá dentro. E essa impossibilidade do rumo político do Brasil e a resistência ao golpe fez com que a UFMG se transformasse em um polo de vanguarda política. O que caracterizou essa vanguarda foi a resistência por dentro. Além de participar de todas as atividades externas, com presença da maior parte dos estudantes, homens e mulheres jovens, a UFMG foi pioneira na formulação de uma proposta de universidade política. Essa proposta partiu das organizações militantes das universidades, que pertenciam, também, vários de nós, às organizações clandestinas de resistência à ditadura. 

Como eu disse, eu entrei no “Partidão” a partir de 1964, já na universidade, o que me permitiu uma equação muito intelectual de luta e ensino. Nós criamos um curso paralelo, na área de Filosofia, Ciências Humanas e Artes. Essa experiência nos possibilitou mostrar, nas Ciências Humanas, a crítica como instrumento político de construção de uma nova perspectiva de universidade. Para a minha formação, isso foi muito importante, assim como para o resto da minha geração que estava lá.

A repressão era muito forte. Em 1968, depois do AI-5, nós não conseguimos ficar lá. Entramos para a clandestinidade. Professores, como aconteceu em todo o país, eram cassados. Saíram para fora do país, se autoexilaram por força da repressão, eram presos. E as passeatas iam aumentando, cada vez mais, em todos os estados. E eu, como era da UNE, tive a oportunidade de participar de todas as passeatas, inclusive a dos 100 mil, no Rio de Janeiro. 

Com o AI-5, também foram fechadas as universidades. E, por incrível que pareça, a Universidade de Filosofia e a Escola de Medicina da UFMG foram as que resistiram mais bravamente, e produziram grandes quadros políticos. A UFMG evidentemente foi fechada, tomada, invadida e depredada, e o movimento estudantil, o movimento de docentes e de funcionários fez uma pactuação de fazer um movimento conjunto. Isso foi fundamental para que a resistência não fosse quebrada com as prisões. Mas, por outro lado, a ditadura conseguiu quebrar a coluna vertebral de todas as propostas de reformas de base, e a universidade estava inserida dentro dela. 

Termino dizendo que toda a minha geração teve, na universidade, o sentido forte da resistência. A aliança com o movimento operário e a perspectiva da universidade oferecer quadros para militar clandestinamente no movimento operário construiu uma cumplicidade muito grande. Evidentemente, a repressão acabou com isso tudo. Eu mesma, em 1971, já clandestina, com uma filha de 1 ano e 10 meses, fui torturada. Fiquei três anos presa com a minha filha, de 1 ano e 10 meses. É preciso falar da ditadura. Sobre o que ela fez, derrubou, matou, exilou, assassinou, torturou e prendeu: homens, mulheres, crianças, toda uma geração de jovens que acreditava na luta pela igualdade social.