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Este texto é uma versão adaptada e resumida do discurso proferido pelo Pesquisador Emérito da Fundação Oswaldo Cruz, Renato Cordeiro, no dia 16 de abril de 2024, durante o evento organizado pelo Centro SoU_Ciência, com o tema: “Universidades e Institutos na Ditadura”, debate promovido por ocasião dos 60 anos do Golpe Militar. O vídeo com a fala integral pode ser acessado clicando aqui. 

 

Médici foi o ditador responsável pela cassação dos dez cientistas da Fundação Oswaldo Cruz, em 1970, episódio conhecido como o Massacre de Manguinhos. No dia 1° de abril de 1970, sem que absolutamente nada fosse provado contra eles, nossos dez cientistas foram cassados e aposentados pela ditadura militar com base no famigerado AI-5. Eles tiveram seus direitos políticos suspensos e foram proibidos de trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz e em outras instituições federais. Foram momentos dramáticos para Manguinhos, para a ciência brasileira e para seus familiares. 

Seriam onze os cientistas atingidos pela cassação se o Walter Oswaldo Cruz não tivesse morrido em 1967, aos 56 anos de idade, em virtude das pressões sofridas no laboratório. A perversidade era imensa. Walter era filho caçula de Oswaldo Cruz, nascido em Petrópolis. Era um brilhante hematologista, líder de um dos laboratórios mais produtivos do Instituto Oswaldo Cruz. Seus auxílios internacionais, das fundações Ford e Rockefeller, foram bloqueados, e seu laboratório foi lacrado pelos medíocres representantes da ditadura militar instalados no castelo do Instituto Oswaldo Cruz. Leopoldo de Meis e Peter von Dietrich, importantes bioquímicos da UFRJ, depois foram à Escola Paulista de Medicina, agora Unifesp, foram estudantes de Walter e começaram a carreira com ele. Com certeza, teriam ficado em Manguinhos se a história fosse diferente. 

O arbítrio do Instituto Oswaldo Cruz aprendeu o caminho das trevas com seus asseclas da USP, que promoveu a caça às bruxas na década de 1960. Depois de muitas perseguições, comissões de inquérito e sindicâncias, através do AI-5 e dois decretos assinados pelo ditador Costa e Silva, Gama e Silva e Tarso Dutra em 20 de abril de 1969, vários professores da USP foram aposentados. Gostaria de destacar os nomes de Alberto Carvalho, Bolívar Lamounier, Florestan Fernandes, Jayme Tiomno, José Leite Lopes, Maria Ieda Linhares, Bento Prado Júnior, Elza Berquó, Caio Prado Júnior, Fernando Henrique Cardoso, Hélio Lourenço, que foi reitor da USP, Isaías Hall, José Arthur Gianotti, Julio Pudles, Luiz Hildebrando Pereira, Luís Rei, Mário Schenberg, o casal Olda e Sebastião Baeta Henriques, e vários outros professores.

Os famigerados decretos incluíram alguns pesquisadores que não eram da USP. A perseguição do AI-5 à inteligência e à liberdade de pensamento era similar nas instituições brasileiras. É sabido que a reitoria da USP, sob inspiração de Gama e Silva e Médici, mantinha uma agência de informação que fazia triagem ideológica, e sinalizava os órgãos de segurança para perseguir professores e estudantes contrários à ditadura. 

No Instituto Oswaldo Cruz, esse papel era feito pelo medíocre Rocha Lagoa, que foi presidente do Instituto e Ministro da Saúde do Médici, que perseguia sistematicamente Oswaldo Cruz e os dez cassados. Ele tinha uma boa rede de informações. Foram anos sombrios. 

Gostaria de parabenizar a Universidade Federal do Paraná que, em nome do Reitor Ricardo Fonseca, no último dia 1° de abril, revogou os títulos de doutor honoris causa dos ditadores Castello Branco, Costa e Silva e Ernesto Geisel.

Na USP, Luiz Hildebrando, Tomás Mack e meu fraterno amigo Boris Vargaftig, com quem tive a honra de trabalhar no Instituto Pasteur, em Paris, foram presos em Santos no navio Raul Soares, transformado em prisão na ditadura militar. Professor Mario Chamber, um dos grandes físicos brasileiros, também foi preso diversas vezes. Os professores Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, foram presos e torturados. E a querida professora Anna Rosa Kucinski, do Instituto de Química da USP, militante da ALN, foi sequestrada e morta na tristemente famosa Casa da Morte da Ditadura.

Acredito que os dez cassados de Manguinhos não foram presos por causa da idade mais avançada. Mas bem que o Rocha Lagoa gostaria de ter preso e torturado os dez. No Instituto Oswaldo Cruz havia clara percepção de que a ditadura originaria uma era de nuvens negras e sombrias na instituição, mas o impacto da cassação sobre os pesquisadores, servidores e estudantes de Manguinhos, que trabalhavam com os cientistas, foi dramático. Vários colegas foram imediatamente expulsos dos laboratórios e impedidos de entrar na instituição. Muitas pesquisas, sonhos e carreiras foram drasticamente interrompidos e destruídos. A cassação criou fraturas profundas nos laboratórios; projetos, e cooperações nacionais e internacionais foram subitamente descontinuados. Na USP, vários departamentos com pesquisa internacional na Física, Medicina, Filosofia foram destruídos. Cito como exemplo a parasitologia de Samuel Pessoa, que foi totalmente arrasada. Vários pesquisadores que não foram atingidos diretamente pela aposentadoria já foram embora para o exterior. Desestruturaram décadas de ciência na área Biomédica. 

A corajosa reintegração dos Cientistas de Manguinhos pelo nosso querido Saudi Arouca, que foi presidente da Fiocruz em 1986, foi feita 16 anos após a cassação. A reintegração representou um dos mais belos e representativos gestos da recuperação da autoestima da atividade científica e institucional. Foi um grande marco da ciência brasileira. É importante dizer que é fundamental não esquecermos o passado e transmitirmos, para as novas gerações no presente e no futuro, a tragédia que a ditadura militar provocou em nosso país nos 21 anos pós 1964, fraturando nossas instituições, nossos sindicatos, nossas universidades, nossos institutos de pesquisa e nosso país. Submetendo nossos jovens a covardes torturas nas casas da morte. É importante que as autoridades entendam que relembrar o passado é fundamental para entender o presente, fortalecer a resistência e evitar novos futuros sombrios. 

A UFRJ revogou os títulos honoris causa de Médici e de Jarbas Passarinho, em 1975 e em 2021, respectivamente. Em 2021, a Unicamp também revogou o honoris causa de Jarbas Passarinho. Em 2022, a Federal do Rio Grande do Sul revogou os honoris causa de Costa e Silva e de Médici. E, parece que este ano, a Federal de Pelotas também se movimentou para revogar os honoris causa de Médici e de Jarbas Passarinho. A UERJ, neste momento, está processando a revogação do honoris causa do Médici. Vamos esperar que outras universidades sigam esses exemplos. 

Soubemos também que os estudantes do Centro Acadêmico de Direito da USP estão solicitando ao Conselho Universitário da universidade que sejam proibidas homenagens a indivíduos ligados à ditadura militar. Os estudantes também cobriram com um pano preto os quadros dos tenebrosos ex-professores da Faculdade de Direito Gama e Silva, pai do famigerado AI-5, e outro terrível representante da ditadura, Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça do ditador Médici.

Agora, será que também não é hora de mudarmos os nomes dos monumentos importantes de nossas cidades? É o caso da Ponte Rio-Niterói, que é a ponte Costa e Silva. Por que não chamar de ponte Anísio Teixeira? Por que não ponte Darcy Ribeiro?