As Ciências Humanas, sob a luz do centenário da Semana de Arte Moderna que logo se avizinha
Por Mirhiane Mendes de Abreu
A tônica deste artigo se concentra nas Ciências Humanas e trago ao tema o centenário da Semana de Arte Moderna que logo se avizinha. Afinal, datas são oportunidades valiosas de revisão de valores e de olhar para trás como uma necessidade imperiosa, já que novos caminhos podem ser vislumbrados a partir do conhecimento profundo das opções trilhadas no passado. Adianto que não pretendo aqui fazer um discurso celebrativo nem lamurioso por observar o contexto cultural brasileiro em nossos dias. A proposta é ter um ponto de partida concreto para lembrar a experiência intelectual fornecida pela famosa Semana de 1922, em cuja complexidade reside o núcleo das Ciências Humanas, Letras e Linguística, que é manifestar o confronto de ideias e pontos de vista e incentivar o diálogo entre culturas.
Resumidamente, a Semana de Arte Moderna ocorreu no mês de fevereiro de 1922, foi um evento plural e complexo que impulsionou a produção literária, a organização de revistas, jornais e editoras, além de experiências intelectuais de larga proporção social e urbana. Hoje, o conhecimento da diversidade e heterogeneidade desse evento tem sido possível graças aos múltiplos estudos desempenhados em universidades, notadamente por meio de pesquisas em arquivos e fontes primárias conservados em instituições públicas de que são exemplos honrosos a Biblioteca Nacional, a Fundação Casa de Rui Barbosa, o Instituto de Estudos Brasileiros (USP), o Acervo dos Escritores Mineiros da UFMG, para citarmos apenas alguns. São instituições que preservam os manuscritos, a correspondência, a memória e o patrimônio literário e cultural do país e articulam estudos interdisciplinares e interinstitucionais que, transcendendo os limites nacionais, alargam as fronteiras do conhecimento.
A conservação de arquivos públicos está em sentido diametralmente oposto aos processos econômicos pautados pela exclusão do consumo cultural. Em termos práticos, temos produzido livros e reflexões ao redor do texto, da linguagem, da comunicação social.
O ponto central é compreender que a crítica sobre as diversas manifestações artísticas é uma forma de integração da cultura à vida e um empenho construtivo contra toda forma de obscurantismo. Desse ponto de vista e para sair das generalidades, basta apenas mencionar a relevância da correspondência de um escritor da envergadura de Mário de Andrade. As cartas que ele trocou com vários intelectuais do Brasil e do exterior percorrem temática tão vasta que abrange desde os bastidores da citada Semana de 1922 e novas sugestões poéticas até as intensas transformações urbanas, educacionais, políticas e teológicas então vividas.
Há inúmeras conexões que a materialidade da Semana de Arte Moderna pode suscitar, mas não cabe nesse curto espaço um grande mapeamento sobre a pesquisa em arquivos como uma das múltiplas expressões das pesquisas das Ciências Humanas, Letras e Linguística. O propósito aqui foi fazer constatar que, no nosso campo de conhecimento, nós preservamos a memória do país e estudamos processos autorais, sociais e culturais. Isso exige aulas, acervos e bibliotecas. Em outras palavras, isso significa dizer que a reflexão do passado organiza intelectualmente o presente e requer uma universidade forte e autônoma, cujo requisito seja saber formular e ouvir crítica, estimulando a interlocução entre a contemporaneidade e o legado cultural preservado.
Mirhiane Mendes de Abreu (professora da Unifesp e pesquisadora do SoU_Ciência)
Crédito da foto: Wikipedia