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A formação de profissionais altamente especializados é uma necessidade para o projeto de desenvolvimento de qualquer nação

Por Flávia Calé

A discussão orçamentária para o ano de 2022 vem repleta de imbróglios que tendem a circunscrever o necessário debate em torno da retomada dos investimentos no Brasil à metas fiscalistas que tem nos levado a cavar o poço cada vez mais fundo da crise econômica. Um exemplo é de onde o governo alocará recursos para pagar os R$ 90 bilhões de precatórios? Isso nos leva a crer que a peça orçamentária atual terá ainda muitas mudanças.

A novidade para a área de Ciência e Tecnologia é a previsão de recuperação de recursos para o MCTI e agências de fomento à pesquisa e, em tese, a não dependência de créditos suplementares a serem aprovados pelo parlamento para que as previsões sejam cumpridas.

Pela proposta, conforme aponta estudo da SBPC, as dotações previstas na classificação Ciência e Tecnologia chegam a R$ 7,9 bilhões. No entanto, isso está longe de ser uma mudança de visão do governo sobre a ciência. O que ocorre é que os recursos do FNDCT, que serão liberados por força de lei, conquistada, à duras penas, por mobilização da comunidade científica, passa a entrar em vigência com um ano de atraso. Com isso, R$ 4,2 bilhões do fundo serão liberados para serem operados pela FINEP. Ainda assim, é preciso estar em alerta a qualquer tentativa de captura desses recursos, principalmente por parte do Ministério da Economia.

Os recursos do FNDCT devem ser investidos de maneira estratégica. Não podemos considerá-los meramente recursos extras para recompor os cortes dos últimos anos. Precisamos empreender a batalha pela reposição orçamentária das atividades ordinárias da ciência nacional a partir da fonte do orçamento. E lidar com o fundo para financiar projetos de sentido estratégico.

Nesse sentido, aponto um dos elementos que deveriam ser levados em consideração na alocação desses recursos estratégicos. A necessidade de estruturação da carreira científica desde a pós-graduação e a construção de horizonte profissional para os jovens doutores brasileiros.

A formação de profissionais altamente especializados é uma necessidade para o projeto de desenvolvimento de qualquer nação nos marcos da acelerada evolução tecnológica no século XXI. Isso, porque são capazes de produzir novos conhecimentos, elevar nossa capacidade de inovação em busca de soluções criativas para os problemas nacionais, além de serem responsáveis pela formação de recursos humanos para todas as dimensões da atuação social.

O Sistema Nacional de Pós-graduação formou em 2017, segundo dados do CGEE, mais de 61 mil mestres e 21 mil doutores[1]. Essa escala, se não revertermos o baixo investimento em ciência, tende a diminuir. A formação desse tipo de recursos humanos é muito cara, sendo, portanto, uma atribuição constitucional do estado seu financiamento, conforme artigo 218. A formação de pesquisadores requer formas especiais de trabalho, cuja remuneração se dá a partir das bolsas de estudo.

É preciso tornar a carreira científica mais atrativa, bem como iniciativas capazes de conter a evasão para outras áreas profissionais ou a fuga de cérebros para outros países. Defendemos que o FNDCT financie o Plano Anísio Teixeira, formulado pela ANPG. Tal projeto consiste em realizar o reajuste do valor das bolsas, que se encontra há oito anos defasado.  A universalização de bolsas de estudo para todos e todas que optam por fazer mestrado e doutorado. E a criação de um grande programa de pós-doutorado que oferte, ao menos, 50 mil bolsas de estudos para os jovens doutores que não conseguiram se inserir no mercado de trabalho nacional, como uma oportunidade de reter esses talentos na carreira científica para que contribuam, nas diversas áreas de atuação, para o desenvolvimento brasileiro.

A formação e retenção de pesquisadores e pesquisadoras é um desafio que visa à superação da atual crise econômica e humanitária que vivemos. Diz respeito à construção da autonomia tecnológica como chave essencial para garantia da soberania brasileira. Aponta para qual lugar o Brasil que ocupar no cenário mundial: o de produtores ou o de consumidores de tecnologia.

 [1] “Brasil: mestres e doutores 2019”. Destaques.CGEE, Ano III, nº3.  Brasília: Publicação do CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, Outubro de 2020. 

* Flávia Calé é doutoranda no Programa de História Econômica da FFLCH-USP e presidenta da ANPG – Associação Nacional de Pós-graduandos.