O que se entende verdadeiramente por EaD?
Por Carlos Bielschowsky e Debora Foguel
Em uma live recente onde apresentamos um panorama do ensino privado no Brasil, a Profa. Soraya Smaili, coordenadora do Centro SoU_Ciência, sintetizou, de forma muito simples, o que está acontecendo com a Educação a Distância (EaD) no país ao afirmar, sobre a EaD de baixa qualidade, que “isto não é EaD!”.
Educação a Distância de verdade é um sistema educacional que oferece aos alunos um material didático, utilizando diferentes mídias, que percorre os conteúdos de uma disciplina com a mesma densidade do ensino presencial, oferecendo habilidades e competências para que os formandos possam exercer com dignidade e competência suas profissões e sua cidadania. A EaD necessita de uma docência ativa, embora diferente daquela utilizada no ensino presencial, e de um sistema de avaliação que garanta que o aluno adquiriu, em cada disciplina, conhecimento equivalente ao que teria no ensino presencial.
Este é o caso da oferta de EaD das Universidades públicas do Rio de Janeiro (UENF, UFF, UNIRIO, UERJ, UFRJ, UFRRJ e Cefet) reunidas no consórcio Cederj, onde os alunos frequentam tanto o espaço virtual, através de plataforma específica desenhada e construída para esse fim, com 42 polos regionais, distribuídos em todo o Estado. São oferecidas 18 carreiras, como pedagogia, licenciaturas diversas, administração e engenharia de produção, dentre outros. Esses polos oferecem laboratórios didáticos para realização de aulas práticas, biblioteca e acesso a computadores e internet, bem como propicia os encontros presencias com tutores treinados e capacitados para esclarecer dúvidas sendo, também, o local onde os alunos realizam suas provas presenciais. Por conta disso, dentre os alunos concluintes da EaD nas IES reunidas no Consórcio Cederj que realizaram o Enade do último ciclo de provas (2017-2019), nenhum aluno (zero!) estava em cursos com conceito Enade* insuficiente 1 ou 2, sendo que, apenas cerca de um terço deles está em cursos com Enade 3. Logo, a grande maioria dos alunos (cerca de dois terços) estudou em cursos com Enade 4 ou 5, o que pode ser considerado um excelente resultado, visto que estes cursos têm desempenho equivalente àqueles dos cursos presenciais das mesmas prestigiosas Universidades.
Frente a estes dados alentadores, cabe-nos perguntar: como se saem os alunos das instituições de ensino privado dos dez maiores grupos educacionais do país nesses exames nacionais? Segundo o censo da Educação Superior do INEP de 2020, esses grupos concentravam 80% de todos os alunos matriculados na EaD do país. Mas, infelizmente, esses alunos seguem uma trajetória inversa: apenas 3% dos alunos de EaD destes grupos, que realizaram o Enade do ciclo 2017 – 2019, estavam em cursos com conceito 4 ou 5, sendo que 60,2% destes concluintes estavam em cursos com Enade insuficiente com conceito 1 ou 2. A comparação é dramática! Ou seja, enquanto nas IES públicas do Rio de Janeiro não havia alunos em cursos com Enade 1 ou 2, a grande maioria dos alunos destes grupos privados que dominam a EaD no país estavam em cursos com Enade insuficiente.
Temos inúmeras ofertas de EaD no Brasil com qualidade acadêmica, tanto nas Universidades públicas quando no setor privado, com destaque para a oferta das Universidades confessionais. A oferta de EaD pra valer é uma regra no mundo todo e não uma exceção, como infelizmente configura-se cada vez mais em nosso país, onde em 2020 mais de 80% dos alunos de EaD estavam matriculados em apenas dez IES, com fortes indícios de baixa qualidade na oferta. O problema assim, não é com a EaD, mas com isso que alguns grandes grupos privados estão realizando com o nome de EaD.
Tivemos um problema semelhante com a oferta das IES privadas entre 2003 e 2007, que levou o Ministério da Educação, na época em que existia um MEC voltado aos interesses do país, a realizar um intenso processo de supervisão que realinhou esta oferta, tendo celebrado com estas Instituições privadas vários Termos de Ajuste de Conduta (TAC), visando sanear deficiências na oferta, culminando com o descredenciamento para EaD de algumas instituições e a requalificação de outras. Neste processo, observamos quatro aspectos principais deste descalabro: material didático superficial, que por vezes nem alcançava adequadamente os conteúdos de ensino médio; falta de apoio ao estudante; provas com conteúdo extremamente aligeirados, bem como donos de polos regionais, que intermediavam a oferta, agindo como franquias sem controle por parte destas IES.
Lamentavelmente, este quadro de descalabro voltou forte, fazendo a festa dos grandes grupos educacionais privados, com ações na bolsa de valores, a maioria regida pelo lucro imediato. Soraya tem razão. Isto não é EaD! Em alguns casos, mais parecem fraudes consentidas pelo atual governo, muito parecido com o descalabro que vem sendo praticado por este desgoverno no apoio à devastação ambiental da Amazônia e na venda facilitada de armas, apenas citando dois exemplos.
Carlos Bielschowsky é professor da UFRJ e pesquisador do Centro SoU_Ciência, tendo sido entre 2007 e 2010 secretário de EaD do MEC. Debora Foguel é professora titular do Instituto de Bioquimica Médica da UFRJ e membro do Centro SoU_Ciência.