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As diferentes posições no debate acerca da medicina de dados

Por Marcos Xavier

Em recente debate sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) diante da Medicina de Dados, entre o médico e escritor Luiz Vianna Sobrinho e o pesquisador Naomar de Almeida Filho, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), realizado em 16 de agosto deste ano, duas posições se contrapõem.

Para Luiz Vianna, o foco multiprofissional voltado à atenção primária deslocou a biomedicina e o médico do centro da atuação, bem como a redução da luta por hospitais mais modernos, o que contribuiu para o SUS não acompanhar as inovações tecnológicas, deixadas às empresas privadas favorecidas e estimuladas pelo Estado. Ao mesmo tempo, observa-se o sucateamento dos hospitais públicos.  Segundo ele, o campo para o avanço da medicina de dados com base em inteligência artificial ameaça o SUS, pois grandes empresas têm possibilidade de ofertar planos de massa que dispensam a atuação médica por meio de tecnologias que geram diagnósticos e tratamentos com base no uso de algoritmos.

Por sua vez, Naomar de Almeida suspeita da inteligência artificial, notando que os algoritmos não são neutros e estão a serviço dos interesses de quem os programam, cabendo ao médico realizar a leitura dos dados. Segundo suas palavras, “se o objetivo empresarial desta prática, como mostrou Luiz Vianna, é executar uma ‘gestão da Saúde’, que amplie ao máximo os resultados financeiros, por que os sistemas não seriam programados para recomendar os tratamentos mais lucrativos, preterindo os mais capazes de preservar a vida? Ou, então, a recomendar medicamentos produzidos por corporações parceiras das que fazem o diagnóstico?” O mais importante é apostar na formação médica de qualidade.  

Resta saber se, nas mãos do SUS e não do mercado, tais tecnologias trariam reais benefícios à população. De nossa parte, compreendemos que a interação humana e as ações de promoção da saúde com uma visão ampla, sistêmica e integral vão na contracorrente de uma tecnificação fria, cuja origem, motivação e objetivos estão no mercado, mesmo que aplicadas ao SUS.  Uma visão mais focada na promoção da saúde segundo uma perspectiva integral e sistêmica é uma conquista, ainda inconclusa.

Os cuidados básicos e a produção social da saúde ainda são fontes férteis para significativos avanços para a política pública. Há que considerar também o potencial advindo do diálogo entre a ciência e os saberes populares e tradicionais dos povos, tornando visível a existência de outras tecnologias que também precisam ser consideradas no debate. Esse diálogo urgente e necessário só tem campo frutífero nas instituições de ensino, pesquisa e extensão públicos em conexão com o SUS e com a sociedade.

Mais material sobre o tema podem ser acessados nesta reportagem  e neste vídeo.

Marcos Xavier (professor da Unifesp e pesquisador do SOU_CIÊNCIA)