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Por Zysman Neiman, professor do Departamento de Ciências Ambientais e coordenador da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro da Unifesp

Enquanto o mundo enfrenta ondas de calor recordes, enchentes devastadoras e incêndios florestais sem precedentes, o Brasil continua patinando na implementação de políticas ambientais eficazes. Pior, vem retrocedendo em uma pauta que já foi muito mais robusta em nosso país.

Apesar do atual avançado grau de conhecimentos técnicos sobre o tema e de uma legislação que se aprimorou ao longo do tempo graças à militância do movimento ambientalista brasileiro, ainda enfrentamos três grandes obstáculos estruturais que perpetuam a crise que vivemos: a falta de continuidade nas políticas, a ausência de transversalidade entre órgãos governamentais e a lentidão burocrática diante da emergência climática.

Ilustração: Meyrelle Nascimento/SoU_Ciência 

A defesa do meio ambiente no Brasil segue como um projeto inacabado. Décadas após sua inclusão como direito fundamental na Constituição Federal de 1988, por meio do Artigo 225, os princípios de justiça ambiental e sustentabilidade continuam a depender de circunstâncias políticas, em vez de constituírem um compromisso inegociável de Estado. É hora de confrontar os limites estruturais que comprometem a efetividade das políticas ambientais no país.

O primeiro e mais grave desafio é a descontinuidade das políticas, que são transformadas em medidas de governo em vez de políticas de Estado. A cada mudança de gestão, assistimos ao abandono de planos ambientais estratégicos, como se a “ruptura” fosse uma virtude. O Programa Estadual de Educação Ambiental de São Paulo, por exemplo, levou seis anos para ser aprovado — e, mesmo agora que será divulgado, em uma versão muito mais tímida e retalhada do que aquela que os representantes da sociedade civil na Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental (CIEA-SP) propuseram, corre o risco de ser esquecido na próxima troca de governo. Não é concebível que se retroceda em princípios já consolidados. A lógica da ruptura permanente sabota a construção de políticas ambientais robustas, consistentes e duradouras. O exemplo mais recente é o avanço de um projeto de lei aprovado pelo Senado que flexibiliza o licenciamento ambiental, isentando diversas atividades do processo, como a agropecuária e obras de infraestrutura, colocando em risco ecossistemas e comunidades tradicionais.

O segundo problema é a falta de transversalidade. A crise ambiental não respeita fronteiras administrativas: afeta saúde, mobilidade, habitação e educação simultaneamente. Além da descontinuidade, o isolamento entre áreas do governo impede a abordagem integrada exigida pela complexidade da crise ambiental. A pauta ambiental é, por definição, transversal. No entanto, os ministérios e as secretarias estaduais e municipais ainda operam como ilhas, sem diálogo efetivo entre si. Enquanto mantivermos essa fragmentação, estaremos “enxugando gelo”.

O terceiro desafio é a burocracia letárgica que ignora a emergência climática. Trata-se de uma lentidão burocrática diante de uma emergência climática declarada. Enquanto cientistas alertam que temos menos de uma década para evitar os piores efeitos do aquecimento global, o Estado brasileiro continua se movendo com a velocidade de um navio cargueiro. Se nem as diretrizes mais elementares conseguem avançar em ritmo compatível com a urgência da crise, a confiança social nas instituições ambientais se esvai. É necessário compreender que não há tempo para postergar decisões. A crise climática exige respostas rápidas, baseadas em ciência e com participação social ampla e contínua. Ainda assim, estruturas administrativas operam como se houvesse margem infinita para deliberação. Projetos de lei essenciais ficam anos tramitando, licenças ambientais são emitidas sem os devidos cuidados e planos de adaptação climática sequer saem do papel. A recente flexibilização da legislação ambiental, em vez de modernizar processos, apenas enfraquece a proteção de nossos ecossistemas.

Essa combinação de descontinuidade, fragmentação e morosidade se agrava com o rebaixamento orçamentário das pastas ambientais, ainda tratadas como secundárias. Em 2025, o orçamento federal do Ministério do Meio Ambiente foi de R$ 3,72 bilhões, enquanto áreas como Defesa receberam mais de R$ 120 bilhões. A lógica de priorização orçamentária não apenas ignora a gravidade da crise ecológica como revela um modelo de desenvolvimento ultrapassado e insustentável. Esses três fatores se alimentam mutuamente, criando um círculo vicioso de ineficiência. A descontinuidade impede a construção de expertise institucional, a falta de transversalidade gera soluções parciais e ineficazes e a burocracia paralisa qualquer tentativa de resposta ágil. O resultado está à vista: aumento do desmatamento, colapso hídrico nas grandes cidades e tragédias anunciadas que se repetem ano após ano.

Enquanto isso, a cidade de São Paulo torna-se exemplo do que chamo de “urbanismo predatório”. Bairros históricos são verticalizados sem critérios, áreas de nascente são enterradas sob concreto e os rios urbanos continuam sendo vistos como obstáculos a serem canalizados, e não como espaços de vida e convivência. A nascente do córrego Pedra Azul, por exemplo, encoberta por empreendimentos na Vila Mariana, é um caso emblemático. A avenida Ricardo Jafet, construída sobre o rio Ipiranga (as “margens plácidas do Ipiranga”) e hoje desmoronando, simboliza a falência dessa concepção de cidade voltada ao automóvel, ao lucro e à destruição do patrimônio natural e histórico.

Há, porém, caminhos para romper esse ciclo. Primeiro, precisamos institucionalizar as políticas ambientais, tornando-as menos vulneráveis às mudanças de governo. Segundo, é urgente criar mecanismos de integração entre as diversas esferas e secretarias, com metas compartilhadas e orçamentos conjuntos. Por fim, devemos estabelecer prazos curtos e vinculantes para decisões sobre temas críticos, como licenciamentos e planos de adaptação climática.

A crise ambiental não espera. Enquanto discutimos procedimentos e disputas políticas, o planeta continua esquentando, os rios, secando, e as florestas, desaparecendo. Ou transformamos nossa maneira de fazer política ambiental, ou seremos lembrados como a geração que tinha todo o conhecimento necessário para agir, mas preferiu procrastinar até o ponto de não retorno. O momento de agir é agora — com continuidade, integração e urgência.

Por fim, é preciso dizer o óbvio: o crescimento econômico precisa ser repensado com desenvolvimento sustentável. Durante décadas ouvimos que “nosso país não pode parar”, mas talvez o maior gesto de sensatez e coragem seja justamente parar. Parar para pensar. Parar de crescer sem controle, sem respeitar os limites de recuperação dos ciclos naturais. Parar de destruir os hábitats de nossos animais, os rios, as florestas e os bairros inteiros nas cidades em nome de um “progresso” que beneficia poucos e custa caro a todos. Parar, enfim, para construir uma sociedade que valorize a vida, o cuidado e a responsabilidade com o futuro.