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Presente e futuro das universidades públicas; a necessidade de focar na Agenda do Juntos...

Por Débora Foguel

Passamos por um momento crítico, para não usar outro adjetivo, no que diz respeito ao financiamento das universidades públicas federais. Nos últimos anos, foram feitos cortes orçamentários que põem em risco o funcionamento mínimo dessas instituições, em especial a permanência dos alunos que ingressaram através de ações afirmativas, o que mudou de forma muito positiva e necessária o perfil dos estudantes universitários. Sub financiá-las é promover sua morte de forma lenta (ou nem tão lenta assim...), mas certeira.

Aqui, não tenho como objetivo destrinchar esse desfinanciamento, mas sabemos que, para um governo com as características do atual, essas instituições são vistas como inimigas e alvo da guerra cultural que ora se trava no país. São inúmeros os ataques às universidades, que começam na nomeação de reitores não escolhidos pelas suas comunidades, até chegar aos constrangimentos à docentes, ao cerceamento à liberdade acadêmica, dentre tantos outros, sendo esses dois últimos incentivados pelo estado de exceção que se instalou no país e que autoriza essas ações que tolhem a liberdade e autonomia, elementos fundantes das universidades.

Contudo, há outra camada de questões que recaem sobre essas instituições milenares e que eu gostaria de tratar nas próximas linhas. Elas estão na agenda do dia e cuja implantação e relevância foram aceleradas pela pandemia. Aqui, gostaria de me dirigir a todos(as) os(as) leitores(as), mas, em especial, àqueles(as) que, como eu, são docentes universitários. E, para deixar bem claro, não sou de todo contrária ao que colocarei a seguir.

Como docente, apenas penso que precisamos refletir sobre esses temas e não simplesmente ajudar a chocar os ovos da serpente ora postos no ninho e que gestam, provavelmente, o fim das universidades como as conhecemos, ou que, pelo menos, nos forçará a redefinir o que somos hoje: guardiões da cultura, das artes, produtores de conhecimento novo, formuladores de políticas públicas, promovedores de inúmeras ações sociais, e formadores de gentes!

A essa destacada lista do que já fazemos e somos, podemos acrescentar algumas ‘modernidades’ como inovação, empreendedorismo, interação com empresas, itens importantes, mas que não deveriam nos refuncionalizar como previa o adormecido, mas não enterrado Programa Future-se e o Reuni Digital, apenas citando dois exemplos.

 Agora, quais as agendas têm pautado as universidades mais recentemente e que estão sendo chocadas nos ovos a que faço alusão? Primeiramente, destaco a Agenda do Ensino Digital, do não presencial, do remoto/virtual, que tem levado ao crescimento vertiginoso de cursos universitários a distância de baixa qualidade e, agora, extensivo à pós-graduação, onde se inaugura no país a possibilidade de abertura de cursos de mestrado e doutorado stricto sensu nessa modalidade, até mesmo em áreas genuinamente experimentais, como a minha!

A pandemia nos forçou a utilizar esse espaço virtual no ensino, o que, certamente, foi importante e permitiu que as disciplinas não parassem e que laços se estabelecessem ou não se afrouxassem. No bojo desse movimento, assistimos agora ao surgimento daqueles que advogam pela continuidade desta modalidade de ensino, mesmo em universidades públicas! Florescem, também, empresas com soluções digitais de ensino pasteurizado, pacotes instrutivos inovadores e supostamente eficazes! Quando desse ovo chocado, é possível que venhamos a assistir ao fechamento ou quiçá a demolição dos prédios e edificações universitárias. Para que servirão se podemos construir agrupamentos universitários apenas com janelas, como as do zoom ou outra plataforma qualquer?

Nesse cenário, me pergunto: estamos mesmo preparados para o fim do encontro humano? É possível formar profissionais, mestres e doutores que nunca esbarrarão com seus professores(as), colegas de turma e grupo de pesquisa, seja nas salas de aulas, nos corredores, nos espaços de pesquisa ou num seminário de discussão acalorada? Que nunca viverão aqueles momentos criativos do encontro presencial, onde ideias fantásticas, como faíscas, brotam do contato, da colaboração, da interface de pessoas de várias áreas e experiências? Profissionais que serão privados da bela troca geracional tão fundamental na continuidade de sociedades e até mesmo da ciência? Que nunca compartilharão suas vivências, pensamentos, crenças e angústias com seus colegas? É mesmo para essa direção que devemos caminhar? Penso, com humildade, que não devemos ajudar a chocar esse ovo.

A segunda agenda que se avoluma é a da educação superior como mercadoria, educação como algo que se vende, nem sempre tem qualidade e que até pode ser confeccionada ao desejo e gosto do cliente. Entra, então, o discurso da autonomia do estudante, da hiperpersonalização, do aluno empreendedor, e por aí vai...

Nesse sentido, é importante ressaltar que não se é contra que os estudantes sejam independentes, autônomos. Contudo, como docentes universitários comprometidos com o bem público, precisamos pensar cuidadosamente sobre essa mercantilização e atomização/customização do ensino voltado para si, para o eu, para mim. Não podemos chocar mais esse ovo também! Precisamos formar pessoas reflexivas e comprometidas com o outro, com o planeta e com o bem comum público, e que pensem sobre seu tempo e seu lugar. Assim nos escancarou a pandemia! E quem não entendeu isso, não entendeu nada...

Após o que passamos nesses últimos dois, três anos, onde vivenciamos a importância do SUS, das escolas, dos professores, das universidades, da ciência, da cultura e das artes, do meio ambiente e, acima de tudo, da democracia, penso que a agenda que deveríamos perseguir, o ovo que deveríamos chocar é a Agenda do JUNTOS, da cooperação, do coletivo, da inclusão, da parceria, da diversidade, da cidadania e da convivência. Não choquemos ovos de serpente.

Viva as universidades públicas que, sim, têm muitos problemas, os reconheço, mas que são belas e necessárias (como dizia Darcy Ribeiro) assim, como elas são, em especial num país tão desigual como o nosso!

Débora Foguel é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do SoU_Ciência

* Esse artigo foi publicado também no blog do IMPA