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Uma observação acerca da versão final do Programa Reuni Digital, apresentada recentemente pelo Ministério da Educação

Por Carlos Bielschowsky

O Ministério da Educação (MEC) apresentou, em 12 de outubro, a versão final do Programa Reuni Digital. Trata-se de um Plano de Expansão da EaD nas Universidades Federais brasileiras, que pretende criar 1,6 milhão de vagas até 2024 no ensino superior a distância. Faz isto em um momento que vem contingenciando as verbas das Universidades Federais e do sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, como tem sido amplamente noticiado. Mais além, vem inviabilizando o sistema de Universidade Aberta do Brasil (MEC/Capes) não financiando a oferta de novas matrículas. Assim, o número de novos ingressos na educação superior a distância nas Universidades Públicas e Institutos Federais caiu de 33,9 mil alunos em 2014 para 13,6 mil alunos em 2019, excluídos os alunos ingressantes nos consórcios Cederj (RJ) e da Univesp (SP), cujos novos ingressos, em 2019, foram essencialmente financiados pelos respectivos governos estaduais.

É, no mínimo, paradoxal para o governo brasileiro sugerir que, nos próximos três anos, tenhamos uma média anual de 534 mil novos ingressos na EaD em Instituições públicas, em um momento em que vem inviabilizando o sistema Universidade Aberta do Brasil. Neste último sistema, financiado pelo MEC/Capes, as universidades públicas e Institutos Federais compartilham polos de apoio presencial aos estudantes de Ead que funcionam com o apoio das prefeituras municipais e compartilham recursos instrucionais diversos, servindo de exemplo internacional de política pública na área. O sistema Universidade Aberta do Brasil vem oferecendo ensino superior público nos mais distantes rincões de nosso país, em um formato que é compatível com atividades de trabalho do seu público alvo, incluindo uma população que não tem possibilidade de ter acesso ao ensino superior público presencial.

O MEC reuniu, inicialmente, um grupo de trabalho com representantes de órgãos do governo federal, representantes de universidades de cada uma das cinco regiões do país que trabalham em EaD, da Associação Universidade em Rede (UniRede), da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Esse grupo de trabalho com grandes expoentes teria condição de elaborar uma proposta consistente para potencializar a expansão da EaD nas instituições de ensino superior públicas do país. Mas, infelizmente, não o fez e aterrissou, em 14 de maio de 2021, com uma proposta que não podemos denominar de projeto exequível, pois não aponta fontes de recursos nem as formas de operacionalização concreta do projeto, ao mesmo tempo que promete a criação de 1,6 milhão de vagas até 2024. Este plano aponta apenas para estudos específicos, alguns destes com interesse para a área, e mostra inconsistências diversas. Abaixo, há dois exemplos:

  1. Não inclui as Universidades Estaduais nem os Institutos Federais, que participaram ativamente na atual oferta de cursos nos polos e compartilham recursos instrucionais do sistema Uab, ou seja, este plano nos fará andar para trás ao invés de potencializar a ampliação da oferta;
  1. Propõe a criação de uma Universidade Federal Nacional de Educação a Distância, hipótese amplamente discutida há 20 anos e descartada por dois motivos principais: um sistema de Educação Superior a distância de qualidade requer o envolvimento de alunos em atividades presenciais, que é melhor realizado por uma rede consorciada de universidades públicas espalhadas no país, ao invés de uma única universidade virtual em Brasília; e o Brasil é um país “continental”, abrigando fortes e ricas diversidades locais, que não seriam consideradas por apenas uma Universidade Central.

O documento inicial, apresentado pelo MEC em maio, foi amplamente criticado pelos especialistas da área de EaD nas Universidades Federais, Abed e Unirede, tendo sofrido apenas pequenas modificações na versão final apresentada em outubro.

Não estamos aqui diminuindo a importância de estudos que permitam avanços na EaD pública, especialmente envolvendo especialistas da área, mas apontando que este programa Reuni Digital não mostra viabilidade de execução de curto ou médio prazos, ao mesmo tempo que aponta para a criação de 1,6 milhão de vagas até 2024 e de uma nova Universidade Pública. Esta é a questão central e nos perguntamos: por qual motivo o governo federal traz uma discussão nacional de um projeto de expansão da EaD pública ao mesmo tempo em que inviabiliza sua oferta?

Na verdade, ele lança uma cortina de fumaça sobre o desmonte do sistema Universidade Aberta do Brasil na Capes/MEC, sistema público de EaD bem estruturado e que estava operante. Não é só o EaD público que vem sendo desmontado no país, mas, também outros setores da atividade pública, como a área de ciência e tecnologia, além do meio ambiente.

Dessa forma, advogamos que o MEC deixe de papo furado e retome, imediatamente, a oferta de vagas do sistema Universidade Aberta do Brasil, sem prejuízo dos recursos aplicados na educação presencial de nossas Universidades Federais, ao mesmo tempo que propicie uma ampla discussão democrática com a sociedade brasileira visando aprimorar este sistema.

Carlos Bielschowsky, professor do Instituto de Química da UFRJ e pesquisador do Instituto Sou Ciência