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Os efeitos do rompimento da barragem ainda persistem sobre o ambiente e a sociedade local, embora o valor da Vale tenha mais que duplicado nesse período

Por Décio Semensatto e Diego Barcellos

Nos últimos anos o setor de mineração estampou as manchetes da imprensa por diferentes motivos. Porém, nenhum deles foram mais relevantes do que os rompimentos das barragens de rejeitos em Mariana, em novembro de 2015, e em Brumadinho, em janeiro de 2019. Ambos, juntos, provocaram a morte direta de 289 pessoas (sem contar as mortes de parentes decorrentes da perda de seus entes), além de impactos ambientais, sociais, culturais e econômicos que ultrapassaram bilhões de reais, para aqueles que puderam ser valorados. Tais eventos elevaram temporariamente a pressão sobre as empresas, governo e legisladores.

Esses impactos adversos perduram na região da bacia hidrográfica do Rio Paraopeba e Rio das Velhas, três anos após o rompimento da barragem do complexo da Mina Córrego Feijão da Mineradora Vale/SA, no município de Brumadinho (MG). O rompimento despejou mais de 12 milhões de toneladas de rejeitos de minério de ferro, composto em grande parte de minerais de ferro e metais associados como alumínio, arsênio, bário, cádmio, chumbo, cobalto, cobre, cromo, manganês, mercúrio, níquel e zinco. O rejeito de minério (ou lama) percorreu centenas de quilômetros desde a fonte até o Rio São Francisco, impactando o meio biótico, abiótico e as comunidades que dependem direta e indiretamente dos serviços ecossistêmicos providos pelos recursos hídricos afetados.

Uma das maiores preocupações refere-se ao aumento dos teores de metais potencialmente tóxicos em solos, águas superficiais e águas subterrâneas, que podem oferecer riscos de contaminação e toxicidade para plantas, animais e humanos que habitam a região. Por exemplo, a partir de dados fornecidos pelo boletim informativo do IGAM (Instituto Mineiro para Gestão das Águas) para bacia do Rio Paraopeba, é possível observar um aumento dos teores de metais no período chuvoso desde o rompimento da barragem (em 2019), com aumentos de até quatro vezes para chumbo, duas vezes para cobre e ferro e mais de 100 vezes para o manganês, comparado aos limites máximos estabelecidos pela legislação (DN COPAM nº 01/2008), para águas superficiais.

No caso da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que percorreu todo o Rio Doce até a foz em Linhares (ES), foram transportados mais de 20 milhões de toneladas de minério de ferro ao longo do Rio. Na iminência de possível rompimento de outras 126 barragens no Brasil contendo rejeitos de minério de ferro, é importante lembramos dos impactos advindos dos desastres e buscar ações mitigadoras junto aos órgãos e agências reguladoras.

Por outro lado, a análise do histórico do valor de fechamento das ações da Vale do Rio Doce no Ibovespa (B3) demonstra que o caso de Brumadinho realmente ficou no passado e provocou apenas uma desvalorização momentânea da empresa. Aliás, os impactos econômicos globais da pandemia de Covid-19 foram muito mais significativos no comportamento do valor das ações do que o próprio rompimento de Brumadinho. E, passados exatos três anos, as ações da VALE3 saltaram em seu fechamento de R$ 33,87, na cotação do dia seguinte ao rompimento, para R$ 84,21 em 21/01/2022. Uma valorização de 248,6%. O pico de valorização foi atingido em julho/2021, quando a Vale fechou sua cotação em até 313,5% de valorização em relação ao dia seguinte do rompimento.

Por óbvio, não se pretende aqui sugerir que o correto era a empresa não se recuperar. É claro que a presença da Vale no mercado de mineração global e suas estratégias de gestão e investimento proporcionariam tal resultado, além de o próprio setor ser vital e estratégico para a sociedade. Mas, fica a questão final: para os atingidos, a vida hoje está plenamente recuperada e sua condição deu salto igual ao de revalorização da Vale, mesmo com os “programas de recuperação” colocados em prática por força legal?


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Décio Semensatto é professor do Departamento de Ciências Ambientais da Unifesp e pesquisador do SOU_Ciência;

Diego Barcellos é professor do Departamento de Ciências Ambientais da Unifesp.