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A Ciência e a Tecnologia precisam estar no centro da estratégia de desenvolvimento de um país e devem sempre ser vistas como investimento, jamais como gasto a ser eliminado

 Por Flavia Calé, Odir Dellagostin e Soraya Smaili

A economia do Século XXI tem o saber como seu principal motor. A disputa, hoje em dia, é pela fronteira do conhecimento, o que faz as nações desenvolvidas voltarem suas atenções para debates acerca da revolução 4.0, internet das coisas, nanotecnologia, uso sustentável dos recursos naturais e inteligência artificial. A Ciência e a Tecnologia precisam estar no centro da estratégia de desenvolvimento de um país. Mas, infelizmente, seguimos na contramão desta tendência mundial. A Levy Economics Institute publicou, em 2017, que a cada 1% do PIB de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), pode-se ter um retorno de 9,92%. Em São Paulo, cada R$ 1 investido em educação e pesquisa na agropecuária paulista, converte em R$ 10 a R$ 12 para a economia local. Proporções semelhantes se verificam nos investimentos na EMBRAPA: R$ 1 para R$ 12, segundo estudo publicado em 2019. Ou seja, é a mensuração de que investir em ciência é investir no desenvolvimento econômico e social.

Estima-se que o Brasil destina cerca de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) para o setor, quando deveria ser pelo menos o dobro. Com orçamentos decrescentes, as principais agências federais de fomento à pesquisa estão deixando os grupos de pesquisa desamparados. A infraestrutura dos laboratórios e o quadro de funcionários que atuam na pesquisa nas diversas áreas do conhecimento estão defasados. O desmonte da Ciência e Tecnologia brasileira se torna ainda mais evidente quando focamos nos pós-graduandos, que contribuem diretamente com aproximadamente 90% da pesquisa nacional.

Atualmente, o pesquisador da pós-graduação está desamparado. Sem reajuste há 9 anos, o estudante brasileiro que se dedica exclusivamente à pesquisa não tem meios para viver dignamente. O valor pago pela bolsa de mestrado (R$ 1.500) e doutorado (R$2.200) não é suficiente para a tarefa de formar novas gerações de cientistas. A inflação medida pelo IPCA acumula 63,47% de alta desde 2013 - data do último reajuste. Isso significa que, para voltarem a ter os mesmos valores do último reajuste, a bolsa de mestrado deveria ser de pelo menos R$ 2.450,00 e a de doutorado deveria ser de R$ 3.600,00. Em toda a série histórica, o valor das bolsas nunca esteve tão baixo. Em 1995, a bolsa de mestrado tinha um valor que hoje corresponde a R$ 4.287,00 e a de doutorado era de R$ 6.353,00.

A consequência desse cenário é o aumento da evasão da carreira científica no país. Dados do Anuário Estatístico de 2021 da USP apontam a queda no número de titulações devido a trancamentos de matrículas e desistências na ordem de 27,6% entre 2018 e 2020. Em âmbito geral da pós-graduação, o auge no número de titulados no país se deu em 2019. Foram 15.940 mestres profissionais, 54.131 mestres acadêmicos e 24.422 doutores. Em 2020, houve uma redução geral desses números, que passaram a 13.979, 46.060 e 20.066, respectivamente. A redução da concorrência nas seleções de mestrado e doutorado nos programas também é sintoma da pouca atratividade da ciência para os jovens. Para muitos a alternativa tem sido o subemprego para sustentarem suas atividades ou simplesmente o abandono da carreira científica. Estamos podando o futuro da ciência na fonte, ao restringir a formação de novos talentos.

Outro problema que estamos vivenciando e que vem crescendo é a fuga de cérebros. Com a escassez de financiamento para a pesquisa, pesquisadores qualificados estão buscando oportunidades em outros países. Depois do país ter investido na formação destes doutores, deixamos de ter a contribuição deles para resolver os problemas atuais e futuros do nosso país e aceitamos que suas habilidades sejam aplicadas para o aumento do conhecimento e da riqueza de outros países. Em outras palavras, deixamos escapar a oportunidade de ampliarmos a geração de conhecimento, o que poderia garantir nossa autonomia tecnológica e, portanto, soberania e prosperidade ao país. Estancar a perda de talentos no país é tarefa estratégica para a reconstrução nacional.

As fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) vêm suprindo parte da lacuna deixada pelas agências federais, tanto no auxílio à pesquisa quanto na concessão de bolsas de mestrado e doutorado. Sete FAPs, preocupadas com a defasagem no valor das bolsas, já anunciaram reajustes de aproximadamente 25%. Outras oito FAPs estão avaliando a possibilidade de reajustar o valor ainda em 2022. É imperativo que a Capes, que responde por 75% das bolsas de mestrado e doutorado do país, e o CNPq, que responde por mais 13%, promovam o reajuste imediato das bolsas, seguindo o exemplo das FAPs. Esta ação significa valorizar os pesquisadores e a ciência, base para a geração de conhecimento, desenvolvimento tecnológico e inovação, motor para o desenvolvimento tecnológico, econômico e social do país.

*Flavia Calé, Presidente da ANPG e pesquisadora do SoU_Ciência;

* Odir Dellagostin, Presidente da FAPERGS e do Conselho de Fundações de Amparo à Pesquisa no Brasil (Confap);

*Soraya Smaili, farmacologista, professora titular da Escola Paulista de Medicina, Reitora da Unifesp (2013-2021). Atualmente é Coordenadora Adjunta do Centro de Saúde Global e Coordenadora Geral do SoU_Ciência