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Esta data deve servir como um grito de alerta contra as tentativas do governo de prejudicá-la

Soraya Smaili - O Estado de S.Paulo

08 de julho de 2021 | 03h00 

Hoje, 8 de julho, é comemorado o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico. Criada para jogar luz sobre a produção científica do País, divulgar o saber científico e estimular o gosto e o ingresso dos jovens no fabuloso universo do conhecimento construído pela ciência, a data, atual e infelizmente, também deve servir como um grito de alerta contra a forma como o governo federal tem tentado prejudicar o seu desenvolvimento, seja com a criação de uma verdadeira indústria de disseminação de fake news e desinformações, seja com a sistemática redução de recursos para as áreas da ciência e da inovação, bem como da educação.

Nos últimos anos temos assistido, no Brasil, a ataques declarados às ciências, à arte e à cultura. Tais ataques se manifestam no subfinanciamento dessas atividades ou da instituição universitária, em especial as universidades públicas federais, onde grande parte dessas atividades genuinamente humanas é produzida, preservada e perpetuada.

A política de cortes e de contingenciamento de recursos para essas instituições, assim como para as bolsas de pesquisa, tão importantes para quem pratica ciência, mostra claramente o total desinteresse e a falta de compromisso do governo federal com o desenvolvimento científico nacional. Soma-se ao subfinanciamento a pregação e propagação de ideias negacionistas, acompanhadas pelo desprezo aos professores e às professoras e cientistas, e o desrespeito à autonomia das universidades e dos institutos de pesquisa. O que se percebe é uma tentativa de desmonte desse patrimônio construído pelo saber.

O cenário é ainda mais preocupante porque toda essa empreitada de desvalorização da nossa ciência se dá em meio à maior crise sanitária do século, quando é justamente a ciência que está dando respostas à população mundial, com a colaboração de cientistas de todo o mundo, o Brasil incluído, na busca do entendimento da covid-19, das formas de prevenção da doença e de combate ao seu terrível vírus, por meio do desenvolvimento das vacinas. Vale ressaltar que o nosso país exerceu papel fundamental no estudo clínico de alguns dos imunizantes atualmente usados em dezenas de países.

É claro que a ciência, bem como a arte e a cultura são parte da solução, e não rivais ou inimigos eminentes na preservação de vidas.

No Brasil, infelizmente, é preciso observar que enfrentamos duas pandemias: a do novo coronavírus e a da desinformação e do negacionismo. O momento de alerta por que estamos passando no País exige a união de todos na defesa e preservação das universidades e da ciência brasileiras. Essa é a motivação ou, mais além, a missão do Centro de Estudos SOU_Ciência, a ser lançado, não sem razão, justamente neste 8 de julho.

O SOU_Ciência tem como incumbência estudar e acompanhar a educação superior e a ciência produzida nas universidades brasileiras, em diálogo e conexão permanente com a sociedade. Seu objetivo é elaborar diagnósticos e formular proposições para a sociedade e os governos, além de alternativas para a tomada de decisões relacionadas às políticas públicas implementadas nas universidades, identificando e analisando o papel social e o valor público dessas instituições de ensino superior na transformação da sociedade. Adicionalmente, deverá atuar para tornar a ciência mais acessível, democratizando o conhecimento a serviço do desenvolvimento social.

O SOU_Ciência também vai tornar o conhecimento produzido mais acessível para que, na mão contrária ao que tenta o governo federal, a população possa também se alimentar do saber promovido pela ciência. Para isso contará com um corpo de 25 pesquisadores associados de diferentes áreas do conhecimento e pertencentes a diversas universidades públicas do País, além de um corpo de pesquisadores colaboradores que se associarão ao centro para participar de programas e projetos específicos. Contará, ainda, com um conselho estratégico e um conselho científico, constituídos por alguns dos mais renomados produtores de ciência do País. Terá o apoio da Fundação Tide Setúbal e outras fontes de financiamento, que tornarão viável a absorção de pós-doutores e estudantes de iniciação científica para conduzir, junto aos pesquisadores do centro, as atividades de pesquisa que se almeja implementar.

Não existe país forte e progresso nacional sem investimento em educação e desenvolvimento da ciência. As nações mais desenvolvidas entendem que a ciência é um bem público e, como tal, deve ser utilizada para a melhoria da condição humana. Para que o nosso país reencontre esse caminho é imprescindível fortalecer a conexão entre universidade, ciência, sociedade e Estado em favor do desenvolvimento com equidade, democracia, soberania, diversidade, sustentabilidade e solidariedade, numa sociedade capaz de garantir a cidadania e o bem-estar a todos e todas. Que o dia 8 de julho seja uma data de celebração do saber e de reflexão para onde queremos apontar para o futuro.

Soraya SmailiCOORDENADORA DO SOU_CIÊNCIA, FOI REITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP) ENTRE 2013 E 2021