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No campo da política representativa e na ciência, o país necessita de transformações para construir ambientes inclusivos e equidade de gênero

Por Thaís Cavalcante Martins e Roberta Kelly França

Em 2016, com o objetivo de dar visibilidade ao trabalho de mulheres cientistas em todas as áreas do conhecimento, alcançar a participação plena e igualitária na ciência, criar referências femininas no campo científico e despertar talentos em meninas e jovens, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o “Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência”. Apesar da importância da celebração da data em nível internacional, alguns ainda podem se perguntar: é realmente necessário um dia dedicado às mulheres na ciência?

A resposta é sim.

No Brasil, assim como em outros países da América Latina, as pesquisadoras mulheres enfrentam inúmeras barreiras para avançar na carreira científica. Como demonstrado em relatório produzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da ONU Mulheres, as pesquisadoras representam cerca de 45% dos cientistas na América Latina, sendo que no Brasil esse total não chega a 40% . Somado a isso, existem muitas lacunas em algumas áreas de especialidades e os obstáculos vão se agigantando na evolução da carreira.

Quando avaliamos a participação das mulheres nos programas de Pós-Graduação no Brasil[1] na condição de discentes, notamos que elas são a maioria (Gráfico 1). Apesar disso, de modo geral, elas têm mais dificuldades para ascender na profissão, tornando-se docentes (Gráfico 3).

 Gráfico 1 - Discentes em Programas de Pós-Graduação stricto sensu: participação de mulheres e homens  (2004-2020)

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Fonte: Dados Abertos Capes

[1] A extração dos dados se deu por meio da plataforma “Dados Abertos CAPES”.  Foram acessadas as informações sobre os docentes cadastrados e discentes matriculados nos programas de Pós-Graduação stricto sensu do Brasil, no período de 2004 a 2020. Para mapear o gênero dos pesquisadores foi necessário construir um banco de dados. O principal objetivo consistiu em cruzar o nome dos participantes dos Programas com aqueles nomes cadastrados no Censo 2010, pelo IBGE.  Esse procedimento permitiu indicar a prevalência de nomes masculinos e femininos e precisar o gênero dos pesquisadores e pesquisadoras. Para facilitar esse cruzamento foi utilizado o pacote genderBR.

Apesar de as pesquisadoras em formação ocuparem um espaço importante nos Programas de Pós-Graduação de mestrado e doutorado, em grande medida, isso se traduz em carreiras mais curtas se comparado aos homens. Além disso, existe diferença significativa na representatividade das mulheres nos distintos campos de conhecimento. Algumas áreas permanecem sendo majoritariamente masculinas, como as Engenharias e as Ciências Exatas e da Terra.

 Gráfico 2 - Participação de mulheres e homens discentes em Programas de Pós-Graduação por grande área de conhecimento (2013-2020)

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Fonte: Dados Abertos Capes

São inúmeras as razões que levam a essas diferenças, tais como a maternidade, o cuidado, o trabalho doméstico, além dos estereótipos de gênero, que colocam em questão a capacidade das mulheres em exercer determinados cargos e funções. Todos esses elementos constituem “tetos de vidro”, entendidos como obstáculos pouco visíveis que estão  presentes nas trajetórias das mulheres e que dificultam a sua promoção neste campo.

Gráfico 3- Distribuição de docentes: mulheres e homens em Programas de Pós-Graduação stricto sensu (2004-2020)

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Fonte: Dados Abertos Capes

Como fica demonstrado na análise do Gráfico 3, apesar do aumento da presença feminina como docente na pós-graduação no país, o incremento não foi suficiente para reduzir a diferença entre a quantidade de homens na mesma ocupação, perpetuando um cenário desigual. Ainda que as mulheres sejam a maioria discente na graduação e na pós-graduação, elas encontram dificuldades para chegar ao topo da carreira. Dessa forma é possível relacionar esses dados à  necessidade de maior fomento estatal que oriente as instituições públicas e privadas a elaborarem políticas de inclusão das mulheres em seu corpo docente.

 Gráfico 4 - Participação de mulheres e homens docentes em Programas de Pós-Graduação por grande área de conhecimento (2013-2020)

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Fonte: Dados Abertos Capes

Diante disso, o que o Gráfico 4 informa é coerente ao apresentado até aqui: a diferença entre homens e mulheres na docência da pós-graduação se acentua quando observamos as áreas mais duras do conhecimento: Engenharias e Ciências Exatas e da Terra, assim como acontece na graduação.

Em que pese esses desafios é preciso equilibrar o campo de jogo e erradicar a ideia bastante difundida de que alguns espaços são masculinos e normalizar a presença das mulheres de forma paritária. A tarefa é árdua, mas não há espaço democrático sem a participação feminina. Precisamos acompanhar e promover as transformações necessárias no campo da política representativa e na ciência, construindo ambientes inclusivos.

Thaís Cavalcante Martins, cientista política, pós-doutoranda no SoU_Ciência.

Roberta Kelly França, é mestre em Educação, Bibliotecária na UFABC e bolsista técnica no SoU_Ciência.

Veja aqui a primeira parte do artigo.